O advogado Pedro Affonso Hartung é coordenador do programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana, referência em temas da infância. Ele também é conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e coordenador da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama (USP), além de Líder Executivo para Primeira Infância NCPI/Harvard.
Hartung é um dos advogados Amicus Curiae de um habeas corpus coletivo que será manifestado na sessão programa no STF nesta terça-feira (20). A Segunda Turma do Supremo deve julgar o HC que afeta mulheres grávidas em prisão provisória, além de mães encarceradas que são separadas de crianças até 12 anos.
A questão ganhou as manchetes nacionais com o caso da mãe que ficou presa com um bebê recém-nascido em São Paulo. O DCM entrevistou Pedro Affonso Hartung sobre o tema e suas controvérsias.
DCM: Quais foram os direitos da criança infringidos quando o juiz Salvetti D’Angelo e o Ministério Público mantiveram a prisão de Jessica Monteiro por 90 gramas em trabalho de parto?
Pedro Affonso Hartung: O programa Prioridade Absoluta do Alana, no qual eu sou coordenador, entrou com um recurso Amicus curiae, “amigo da Corte”, num habeas corpus coletivo que busca deixar em liberdade as mães presas preventivamente que estão grávidas ou possuem filhos menores de 12 anos. A decisão que será discutida no STF neste dia 20 de fevereiro vai impactar essas mulheres, que é um terço da população carcerária.
Isso vai impactar o caso que ocorreu no 8º Distrito Policial no Brás no dia 9, denunciado pela CBN, e que a mãe só obteve liberação no dia 16. A gente tem falado neste tema porque, além do caso de Jessica Monteiro, estamos entrando com um habeas corpus coletivo para atingir mais gente.
Nossa contribuição como advogados nessa ação como amigos da Corte é justamente apontar as violações ao direito das crianças em diferentes casos. Há cerca de dois mil menores nos presídios. As infrações incluem direito a saúde, por estarem presas com a mãe, e até ilegalidades com o direito do recém-nascido com a progenitora, que é de seis dias no mínimo e tem sido empregado como prazo máximo para amamentação.
Cada estado trata isso de maneira diferente, incluindo localidades que não permitem que a criança passe nem um minuto próximo da mãe que será presa, o que é uma violação do direito a convivência comunitária e social. Na Constituição, a criança tem esses direitos, o direito a brincar livremente e outros.
DCM: E por que esses direitos são suprimidos?
PAH: A supressão ocorre por abusos com as mães nos presídios. Isso também afeta as crianças que foram afastadas de suas progenitoras da presença delas. É importante ressaltar que isso ocorre mesmo no caso de prisões preventivas, em que a acusada não foi condenada em nenhuma das instâncias.
O HC pretende afetar nesses quadros. A mulher dessa denúncia em São Paulo não tem antecedentes criminais por porte de maconha se enquadra na mesma situação.
DCM: A situação piora muito no caso de crianças mais pobres?
PAH: Sem dúvida alguma. Um dado conhecido no nosso sistema de Justiça é a seletividade dele. Mulheres socioeconomicamente mais vulneráveis, especialmente as negras, sejam afetadas pela prisão preventiva. Mulheres com maior acesso à defesa acabam se favorecendo das leis existentes para ela e para a criança.
Nossa ideia com o HC é estender as leis que existem para todos os envolvidos. As crianças são pacientes do habeas corpus que será pedido.
DCM: A Procuradoria-Geral da República (PGR) diz que a prisão domiciliar ou mesmo a soltura só pode ser empregada “caso a caso”, porque as infrações das mulheres mães variam. Você e seu grupo discorda deste viés, correto?
PAH: Sim, discordamos. Acreditamos que toda mulher presa preventivamente que seja gestante ou tenha filho menor deva responder em liberdade ou cumpra prisão domiciliar.
DCM: Por que vocês decidiram entrar com um recurso como “amigos da Corte”?
PAH: O recurso foi desenvolvido por um grupo chamado Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu). Eles propuseram o HC coletivo em maio de 2016 e o recurso Amicus curiae permite que os advogados entrem com dados técnicos para o Judiciário. São informações importantes para o julgamento que foram acatadas pelas autoridades.
O coletivo fará uma sustentação oral durante a sessão do STF para dar luz a todos os direitos das crianças que estão sendo violados em virtude dos conflitos de suas mães com a lei. As violações ocorrem tanto para aquelas que estão com as progenitoras nos presídios quanto para aquelas que foram separadas no caso das prisões preventivas.
O nosso pedido é que a mãe possa responder em liberdade para cuidar de seus filhos ou filhas ou que a prisão em regime fechado seja convertida em domiciliar. O HC é coletivo em nome de todas essas mulheres que tem crianças abaixo dos 12 anos.
DCM: Vocês se baseiam em qual aspecto das leis para fazer esse pedido?
PAH: Temos como referência o Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, que trouxe uma reforma no Código de Processo Penal garantindo liberdade a todas as mulheres mães presas preventivamente.
DCM: Há, portanto, o descumprimento da lei?
PAH: As leis previstas nesses casos não são corretamente aplicadas e, portanto, é importante que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre a questão para pacificar o tema.
O benefício do cumprimento do Marco da Primeira Infância não beneficia apenas as mães ou as crianças nas situações já descritas. Se a lei é cumprida, a sociedade passa a ser cuidada. O impacto de uma prisão no desenvolvimento de uma criança é sentido a vida toda.
É o chamado estresse tóxico, que afeta a criança na capacidade de desenvolvimento cognitivo. A estrutura neuronal do cérebro é impactada pela experiência e isso gera um grande malefício no seu desenvolvimento.
Cuidar das crianças é cuidar de toda a sociedade. Ela pode ter problemas na escola por ter o estresse de viver dentro de uma prisão ou não ter sua mãe por perto. Isso sem dúvida alguma gera impactos profundos de aprendizagem ou mesmo de desenvolvimento do corpo.
DCM: Você e a Alana tem estatísticas das mães que estão nas cadeias brasileiras?
PAH: Os dados, que infelizmente são poucos, incluem a presença de 45 mil mulheres nas penitenciárias. A estimativa é que um terço delas está presa preventivamente, ou seja, não foram julgadas em nenhuma instância. Uma parcela deste um terço entrou na prisão grávida ou possui filhos menores de idade.
É deste universo que estamos falando que fazem parte dos dados do Infopen, que apura as penitenciárias a nível nacional, de 2016. Duas mil crianças são afetadas por esse quadro.