Atribui-se a Magalhães Pinto, velha raposa das décadas de 60 e 70, uma das melhores frases sobre o conceito de política:
“É como nuvem: Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”.
O céu de tempestade que o Supremo Tribunal Federal criou com o habeas corpus negado a Lula pode, portanto, mudar.
Por exemplo, cedo ou tarde, a presidente da corte, Cármen Lúcia, terá que sair de cima de duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), e permitir que o plenário vote.
Já deveria ter votado, conforme lembrou o ministro Marco Aurélio de Mello, mas se optou pela estratégia que, vitoriosa, colocará Lula na cadeia.
Carmen optou por votar o HC — um concreto — e não a ADC, um caso abstrato. Sem o nome de Lula no processo, a vitória da tese da presunção de inocência era certa.
No Brasil de hoje, pessoas como Lula são culpadas até prova em contrário. Já nasceram condenadas.
Em princípio — e no Supremo é sempre em princípio, já que há ministros que não sustentam de sentados o compromisso doutrinário que assumiram de pé —, essa ações mudarão o entendimento da Justiça sobre a presunção de inocência.
E Lula, se estiver preso, terá que ser colocado em liberdade.
Em vídeo divulgado hoje, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, diz:
“Nós temos que deixar bem claro a toda sociedade: nós não vamos assistir, mansamente, à prisão do nosso líder. Aliás, o líder do povo. Queremos dizer, em alto e bom som: nós vamos com Lula até o final, nós vamos com Lula às últimas consequências.”
Bravata? Não creio. Haverá, sim, alguma reação do PT a mais esta etapa de um processo de violência golpista que, em última análise, pretende destruir um partido político a partir da interdição de seu principal líder.
Deverá haver manifestações, protestos da tribuna dos parlamentos, a manutenção da luta jurídica, denúncia em fóruns internacionais, a intensificação de iniciativas que, a rigor, o PT já tem tomado.
Mas, ao mesmo tempo em que afia as armas para a manutenção da batalha no campo institucional, o partido precisa reconhecer as suas responsabilidades pelas condições que permitiram aos setores mais atrasados do Brasil ter êxito na perseguição a Lula.
Na sessão em que o Supremo, covardemente, lavou as mãos diante da possibilidade prisão de Lula, os três ministros que melhor argumentaram em defesa da tese vencida foram indicações de José Sarney (Celso de Mello), Fernando Collor (Marco Aurélio Mello) e Fernando Henrique Cardoso (Gilmar Mendes).
Os outros dois, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, são legados de Lula e Dilma.
Cinco dos seis ministros que deram a Sergio Moro autorização para se tornar o carcereiro de Lula foram indicações do ex-presidente e de Dilma Rousseff.
Há algo errado nisso.
Não que um presidente deva indicar alguém que o blinde depois. Mas as indicações devem, pelo menos, revelar elevado saber jurídico e coragem para fazer valer os princípios consagrados Constituição, esta sim a maior das conquistas de um povo.
Compare os argumentos de Gilmar Mendes e de Luís Roberto Barroso na sessão de ontem e se verá o tamanho da má escolha de Dilma.
Em seu interminável voto, Barroso fez um discurso que o faria brilhar numa câmara municipal do interior, mas nunca na mais alta corte de Justiça.
“A Justiça está para a alma assim como o alimento está para o corpo”, disse ele, a certa altura.
Celso de Mello deu aula de Direito, enquanto Cármen Lúcia e Rosa Weber tropeçaram nas palavras, com dificuldade até domínio sintático.
Uma pobreza intelectual, para não dizer de saber jurídico.
Parados, sem abrir a boca, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux já revelam diferenças gritantes.
Com exceção de Ricardo Lewandowski, Lula e Dilma fizeram péssimas escolhas para o Supremo, e agora Lula vai pagar o preço.