Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo
POR AMANDA STABILE E LUANA DORIGON
‘Vagabunda safada’, ‘idiota’ e ‘fora Marielle’: decisão de nomear espaço em Franco da Rocha (SP) com nome de vereadora desperta ódio nas redes
Neste sábado (7/4), a vereadora carioca Marielle Franco deveria estar num encontro em Boston, nos EUA, a Brazil Conference at Harvard & MIT, para debater a renovação política brasileira. Em vez disso, Marielle está no Cemitério do Caju, no Rio. Ali a militante negra está sepultada desde que ela e motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros, em 14 de março, em circunstâncias que a polícia ainda não esclareceu.
No mesmo dia, contudo, a vereadora será lembrada com a reinauguração de um espaço de cultura, em Franco da Rocha, na Grande SP, que relembra duas mulheres assassinadas em março. A recém-reformada Casa de Cultura, localizada em um prédio histórico, que abrigou a antiga biblioteca municipal, receberá o nome de Marielle. Atrás do prédio, será inaugurada a Praça das Artes Kléia Alves, em memória à francorrochense e ex-servidora pública, assassinada por seu companheiro no início de março.
“Marielle e Kléia são símbolos da luta, de coragem e de força da mulher. São grandiosas, muito maiores do que os movimentos partidários e que os inflamados discursos de ódio”, afirmou o prefeito Francisco Celeguim (PT) em sua página no Facebook, na última terça-feira (3/4). “Seus desaparecimentos devem ser lembranças diárias e insistentes do combate que temos a obrigação de travar contra essa praga que cala vozes, apaga histórias, assusta, coage machuca e mata milhares todos os anos”, complementou.
Ódio nas redes
Se artistas e produtores culturais vibraram com a homenagem e reabertura do espaço cultural, houve moradores da cidade que atacaram a escolha do nome de Marielle com um boom de insultos racistas, misóginos e intolerantes nas redes sociais. Alguns comentários a chamavam de “idiota”, outros diziam haver “tantas dúvidas sobre o caráter” da militante e houve quem a chamasse de “vagabunda safada”. Um outro comentário lamentou a homenagem e criticou uma outra, um grafite pintado em um parque da cidade com a imagem do corredor Usain Bolt, negro como Marielle.
Em nova nota, na última quinta-feira (5/4), o prefeito defendeu que “Franco da Rocha tem uma tradição de acolher e receber o que vem de fora” e que “esse mesmo prédio teve, durante algumas décadas, nome de pessoas que também não eram daqui”. Ele ainda afirmou que grande parte dos nomes sugeridos para a mudança são de moradores ainda vivos – que, portanto, ainda não podem receber a homenagem – ou de pessoas que já foram homenageadas em outros espaços da cidade.
Apoio a Marielle
Em apoio à Casa de Cultura Marielle Franco, o coletivo francorrochense Frente Preta Rainha Quelé está organizando um ato, no mesmo dia da inauguração do espaço cultural. Na descrição do evento no Facebook, o coletivo pondera que a ação foi marcada em resposta ao “movimento que clama ‘#mudaonome’, ‘foramarielle’”, nas redes sociais.
Em nota divulgada na sexta (6/4), a Frente diz que não tem “a pretensão de tentar silenciar, ou qualquer coisa do gênero, o movimento contrário ao nome de Marielle para a Casa de Cultura do município”, mas convida os de opinião contrária a levarem “suas pautas e sugestões fundamentadas aos representantes políticos deste município”, já que farão o mesmo.
“Gostaríamos de ressaltar que atos racistas, LGBTQfóbicos, ou de qualquer ordem discriminatória não concordam com democracia e não serão aceitos!”. O coletivo encerra cobrando um posicionamento da prefeitura de Franco da Rocha quanto às calúnias e comentários discriminatórios sobre Marielle.
Em memória
Ainda em março, os primeiros atos em memória de Marielle e Kléia foram organizados. No dia 22 de março, uma semana após o assassinato da ex-vereadora, houve o Ato em prol da vida da mulher, no centro do município. “Essa iniciativa partiu de várias mulheres de Caieiras e Franco da Rocha, depois de tantas atrocidades ocorridas. Principalmente por ser no mês dito da Mulher, vimos que não podíamos ficar quietas, não podíamos ser silenciadas neste momento”, conta a militante e organizadora do ato Joice Aziza.
“Independentemente de partido e de todas as multiplicidades que nos separam, foi um dos mais lindos atos da região, estamos afastadas do centro de São Paulo, mas também sofremos e precisamos nos mobilizar”, diz. “Quisemos fazer de suas mortes, um ato de vida e de resistência” concorda a professora francorrochense Adelaide Joia.