Lula preso desperta consciência e já tem morador de Curitiba acolhendo manifestantes. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 12 de abril de 2018 às 7:18
Bela Gil ao lado de Dona Marina e das militantes do acampamento Lula Livre (Foto Mídia Ninja)

No último discurso que fez antes de se apresentar à Polícia Federal para cumprir o mandado de prisão de Sergio Moro, Lula disse:

“Não adianta tentar evitar que eu ande por este país, porque tem milhões e milhões de Lulas, de Boulos, de Manuelas, de Dilma Rousseff, para andar por mim. Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar, e não tem como prendê-las. Não adianta tentar parar os meus sonhos, porque, quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês e pelo sono de você. Não adianta achar que tudo vai parar o dia que o Lula tiver enfarte. É bobagem, porque o meu coração baterá pelo coração de vocês. E são milhões de corações. Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare. Eu não pararei porque não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia, uma ideia misturada com a ideia de vocês.”

Esta é uma das frases que entrarão para a história como as últimas linhas da carta-testamento de Getúlio Vargas:

“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

A diferença é que Lula, ao não renunciar à vida e decidir comandar a resistência de dentro da prisão, tem provocado algo potencialmente muito mais transformador do que a morte de Getúlio, algo que era difícil imaginar num país habituado a se acomodar: despertar consciências.

Nada mais expressa essa realidade do que um ato realizado na noite de ontem no acampamento a 100 metros da carceragem da Polícia Federal, onde Lula está.

A apresentadora Bela Gil, em visita de solidariedade aos manifestantes, foi levada até a casa da dona Marina, uma senhora que tem acolhido as pessoas que estão acampamento, em frente à casa dela.

Como se fosse uma militante do MST, Bela Gil agradeceu dona Marina e lhe entregou uma cesta de alimentos produzidos em assentamentos conquistados pela Movimento Sem Terra. Bela Gil, que é filha do cantor Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura de Lula, disse:

“O que é passado na mídia muitas vezes é bem diferente e até maléfico para o movimento”, disse ela. “Eu tento, como posso, comprar os produtos do MST. E vocês abraçaram a agroecologia. E eu me apego muito a ela. Fazer do comer um ato politico para todo cidadão brasileiro. Eu tento passar a visão que eu tenho do MST”, acrescentou.

Dona Marina, de cabelos alisados, óculos, com forte sotaque curitibano, pegou a cesta dos braços e ainda ganhou um lenço, da Via Campesina, que as mulheres usam durante os processos.

Dirigindo-se às câmeras, dona Marina contou que, antes do acampamento, a visão que tinha do MST era muito diferente:

“Eu tive uma visão totalmente errada de vocês. Achava que eram bandidos, marginais. Quando eu vi todo mundo rindo e no maior sossego, todo mundo calmo, tô aí ajudando. Não posso falar muito, porque eu sou muito envergonhada”, disse e riu alto.

Em seguida, as mulheres decidiram fazer um cordão para deixar a casa de dona Marina e conduzir as manifestantes para o centro do acampamento. “Só mulheres”, disse uma. Bela ponderou: “Meu marido é o homem mais feminista que existe.” Outra concede:  “Ele vai”.

E ele foi, para uma curta caminhada, em que as mulheres gritaram: “Nem recatada e nem do lar. A mulherada está na rua é para lutar”. Também diziam: “Lula livre”, entre outros slogans de manifestações, como:

“Companheira, me ajuda, que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”. Ou: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro. Quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro.

Na caminhada, passaram por barracas de lona, onde tinha gente sentada ou deitada, até que pararam:

Uma mulher de chapéu de camponesa, mas que não parece agricultora, tomou o microfone e disse por que foram até a casa de dona Marina:

“Bela Gil foi até a casa de uma moradora aqui do bairro, que nos acolheu. Foi muito bonita a atividade que nós fizemos ali. Aqui em Curitiba não temos só as pessoas que são contrárias à democracia. Temos muita gente aqui, em Santa Cândida, nos acolhendo e nos ajudando.

Bela Gil, militante da agroecologia, agradeceu:

“Eu estou aqui, acho que como todas vocês, em nome da democracia. Eu quero deixar aqui o meu sincero agradecimento pela resistência, por estarem aqui, por estarem passando frio, em condições que não são confortáveis. É um ato lindo de resistência, que é muito importante neste momento. Estou aqui também em nome da agroecologia, a forma de diferente de viver no mundo, de como a gente produz e põe comida no nosso país hoje. Acho que é imprescindível que a gente mude o jeito de como a gente em plantando e distribuindo comida. É muita importante que a gente lute pela reforma agrária, levante de novo essa bandeira, porque é a única bandeira que a gente vai democratizar a alimentação saudável, levar comida saudável para todos os brasileiros, fazer com que a comida saudável, a comida de verdade, seja acessível tanto fisicamente, que a gente consiga achar vários lugares em que a gente ache comida de verdade, como também financeiramente, economicamente. E não vamos ter mais fome neste pais. E tiraremos o Brasil da fome novamente.”

Aplausos e gritos de Lula livre. Num primeiro momento, Bela silenciou, apontou para algumas, mas acabou, com os punhos fechados, braço esquerdo levantado, se unindo ao coro:

“Lula livre”, gritou. E se entusiasmou:

“Reforma agrária já!”

As demais mulheres respondem:

“Eu sou Lula, eu sou Lula!”

Outra mulher, Ana, entregou uma cesta de produtos do MST a Bela Gil. E disse:

“Nós queremos agradecer, as mulheres camponesas, que vai a agroecologia dia a dia, na dureza, na beleza também de fazer. É muito importante você estar aqui. É gratificante essa sua solidariedade. Não é o melhor momento, o melhor ambiente, a gente queria estar em outro lugar. Mas é o lugar de resistência agora. Nós queríamos convidar você também para a jornada de agroecologia, que vai ser em julho. Que você venha estar com a gente. E até esperamos que nosso presidente esteja livre, para estar com a gente também.”

Gritos de Lula Livre.

O evento terminou com uma foto com todas as mulheres, Bela com o braço esquerdo levantado.

De punho cerrado, ela aderiu ao coro mais uma vez:

“Lula livre.”

Estava chegando a hora de todas se recolherem. A líder de chapéu de camponesa informou que, no dia seguinte, há havia um evento programado: o bom dia que todos gritam, para que Lula ouça. Nesta quarta-feira, o bom dia, acompanhado de batucada, seria de Guilherme Boulos.

Hoje, segundo os organizadores do acampamento, está prevista a chegada de mais seis mil pessoas. E, para atender tanta gente, está sendo pedida doação de alimentos e de produtos de higiene. Bela Gil, antes de ir embora, deixou a sua doação.

“Onde Lula estiver, estaremos junto com ele”, disse a jornalista Clarice Cardoso, que participou do ato.

“Lula livre”, o coro aumentou.

Bela e as mulheres que estão na luta: “Com você, ando melhor” (foto Sul 21)