POR MIGUEL ENRIQUEZ
O incêndio que provocou o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por 150 famílias sem-teto, na madrugada do dia primeiro de maio, no Largo do Paissandu, na região central de São Paulo, deflagrou a formação de uma “santa aliança” composta de autoridades dos governos estadual, municipal, políticos e mídia tradicional para criminalizar os movimentos de moradia.
Na ânsia de justificar o descaso e a incúria do poder público, que assistiu passivamente à germinação de uma “tragédia anunciada”, pela falta de fiscalização e adoção de medidas de prevenção, esses setores buscam jogar as responsabilidades para as organizações de sem-teto, em particular, o MTST, dirigido pelo candidato à presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos. Que por sinal, nada tem a ver com a ocupação do prédio destruído pelas chamas, organizada por outra organização, o Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM).
A campanha de desmoralização tem como pretexto principal a cobrança de mensalidades dos inquilinos, praticada nas ocupações. Na maior parte delas –o que aparentemente não foi o caso do Wilton Paes de Almeida – essas taxas visam a organização interna das invasões, com a manutenção de porteiros, realização de obras de melhoria, pagamento de luz e esgoto, entre elas.
O ponta pé inicial para a campanha contra o movimento dos sem teto foi dada pelo governador de São Paulo Márcio França. Embora não tenha chegado ao desvario do ex-prefeito João Dória (ele próprio invasor de um terreno de 365 metros quadrados, em Campos do Jordão) de afirmar que a invasão do edifício de 24 andares, teria sido “financiada e ocupada por uma facção criminosa”, França deu sua milionária contribuição logo nas primeiras horas da manhã da última terça feira.
Segundo o governador, morar em prédios como o que desabou nesta terça-feira, 1, é “buscar encrenca cada vez maior”, como se viver em habitações precárias fosse uma mera opção da população desabrigada. De quebra, França criticou em entrevista os defensores de tais ocupações, destacando que aqueles que incentivam invasões de imóveis desocupados estão, na verdade, proporcionando tragédias como a que abalou São Paulo.
Não por acaso, na quinta feira, 3, dois dias após o incêndio, a Polícia Civil de São Paulo anunciou a abertura de investigação de “aluguéis” em todas as invasões da capital paulista. “É apurar cobranças. Vamos investigar associações e não os movimentos que promovem as ocupações.
Vamos investigar associações que exploram moradores das ocupações”, afirmou o Secretário de Segurança Pública Mágino Alves Barbosa. A ideia, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, que anunciou a ação policial com estardalhaço em manchete de primeira página, nesta sexta feira, 4, é enquadrar as eventuais irregularidades como extorsão de sem-teto no Código Penal, que prevê penas de 4 a 10 anos de prisão.
Na contramão dessa campanha punitiva e desmoralizadora, um rasgo de lucidez parece vir da parte do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Segundo a coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, procuradores do órgão estão orientando os movimentos por moradia a criar cooperativas para regularizar a cobrança de contribuições por parte dos que participam de invasões. “A criação de cooperativas, que teria como fim a administração do espaço em que os sem-teto estão, resolveria a questão jurídica”, diz a coluna.
Ainda de acordo com a colunista, Iniciativas como essa mostram a disposição do MPSP (ao contrário das autoridades da área de segurança), de apostar na mediação entre o poder público e os sem-teto para evitar soluções extremas, como a desocupação dos imóveis pela polícia.