Publicado originalmente no Consultor Jurídico (ConJur)
POR WADIH DAMOUS, deputado do PT
Tenho acompanhado como parlamentar e advogado a ascensão do autoritarismo no Poder Judiciário e no Ministério Público. A advocacia nunca foi tão ultrajada e humilhada por juízes, delegados e promotores. O paradoxo é que é justamente nestes momentos que a profissão de advogado se torna ainda mais imprescindível.
Não existe área do Direito que não tenha sido afetada pela inflexão autoritária que ocorreu nos últimos anos no Brasil. A advocacia criminal, por lidar diretamente com a liberdade alheia e se colocar como um contraponto ao poder punitivo, é quem primeiro sente na pele a mudança autoritária.
Os exemplos recentes dessa mudança são muitos: a expulsão de um advogado do Plenário da suprema corte, quando atuava em defesa dos direitos de um acusado; as medidas de restrição do Habeas Corpus nas cortes superiores e no STF; a impossibilidade de acesso aos autos em famigeradas operações policiais; e até a despreocupação de ministros do STF quanto ao respeito à Constituição da República de 1988. Há pouco, mesmo com procuração, fui impedido de me encontrar com o ex-presidente Lula, meu cliente, por decisão arbitrária de uma juíza, tendo que recorrer ao TRF-4 para assegurar esse direito.
A advocacia trabalhista, por sua vez, sofre com os efeitos da alteração radical do sistema de regulação social do trabalho e de sua proteção, uma construção ao longo de décadas no Brasil. O desmonte da CLT em 2017 é eixo central do golpe parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff e se insere em um processo mundial de reorganização do capitalismo, com o ataque e retrocesso em conquistas importantíssimas da classe trabalhadora, ameaçando também suas formas próprias de organização e sociabilidade.
Um dos efeitos nefastos do golpe parlamentar de 2016, na seara trabalhista, é a queda vertical do acesso à Justiça pelo trabalhador em razão da insegurança jurídica em demandar, inclusive com punição para quem tentar exigir seus direitos. O impacto disso é evidente na advocacia, inclusive para quem atua em empresas, com a consequente redução do mercado de trabalho. E o mais importante, além de não resolver o conflito latente entre capital e trabalho, as mudanças aprofundam o fosso social no país, com o aumento da pobreza e o estilhaçamento das relações sociais.
No Congresso Nacional, tenho lutado arduamente contra o autoritarismo legislativo e apresentado propostas para reafirmar e valorizar a advocacia. Cito alguns exemplos: fui autor da proposta (que depois se tornou lei) que garantiu a contagem de prazo para a advocacia trabalhista apenas em dias úteis; apresentei e consegui aprovar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara projeto que garante acesso do advogado aos autos de processo eletrônico independentemente de procuração; sou autor de projeto de lei que garante a paridade de armas entre defesa e acusação; e do projeto que estabelece o sistema tributário do Simples Nacional à sociedade unipessoal de advocacia; também é de minha autoria o projeto que reafirma o princípio da presunção de inocência na legislação infraconstitucional, entre outros.
E não faço isso por questões corporativas, mas porque o exercício pleno da defesa, nesses tempos em que o autoritarismo se impõe como regra no sistema de Justiça, é um antídoto fundamental em defesa da própria democracia.
Essa é a força e a grandeza da nossa profissão. É quando o arbítrio e a injustiça se instalam que a sua presença se torna imperiosa. Os maiores nomes da advocacia brasileira foram forjados na resistência contra a força bruta e a irracionalidade que pareciam, irremediavelmente, prevalecer.
As biografias de Luiz Gama, Evaristo de Moraes, Sobral Pinto, Rosa Cardoso, Eny Moreira, Evandro Lins e Silva, e de tantos outros que não se calaram ante o arbítrio, servem de norte para manter a esperança em um país mais justo e compreender a nobreza da advocacia.