Em artigo publicado em sua coluna no jornal El País, Fernando Henrique Cardoso reconhece que impeachment de Dilma se baseou em “arranhões de normas constitucionais”. Não era nada grave, eram apenas arranhões.
O tema da coluna é a crise evidenciada pela greve dos caminhoneiros. Repete a lorota de que o PT deixou o governo com as contas desarrumadas. No caso dele, soa à má-fé. Como ex-presidente, sabe que os governos de Dilma e Lula geraram alto valor de reservas, foi criado um fundo soberano (agora destruído por Temer) e nunca se ultrapassou o limite da responsabilidade fiscal. As pedaladas… , ora as pedaladas… Um trecho da coluna do ex-presidente:
A semana que acaba hoje foi plena de tensão demonstrando a quem não percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito tempo. As incongruências da política econômica dos governos de Lula e Dilma, em sua fase final, já haviam levado a economia à paralisação e o sistema político a deixar de processar decisões. Daí o impeachment do último governo, ainda que baseado em arranhões de normas constitucionais.
Em outro trecho, depois de propor a criação de um bloco politico no campo progressista, analisa:
No quadro atual, entre o desemprego e a violência cada vez mais assustadora do crime organizado, a perda de confiança nas instituições é um incentivo ao autoritarismo. O bloco proposto deve se opor abertamente a isso. Não basta defender a democracia e as instituições, é preciso torna-las facilitadoras da obtenção das demandas do povo, saber governar, não ser leniente com a corrupção e entender que sem as novas tecnologias não há como atender às demandas populares crescentes. E, principalmente, criar um clima de confiança que permita investimento e difundir a noção de que num mundo globalizado de pouco vale dar as costas a ele.
Por fim, reconhece que é necessário um líder para conduzir o Brasil à saída desse labirinto:
Tudo isso requer liderança e “fulanização”. Quem, sem ser caudilho, será capaz de iluminar um caminho comum para os brasileiros?
Fernando Henrique está correto em parte no diagnóstico que faz, ainda que o reconhecimento dele de que não havia motivo constitucionalmente forte para afastar Dilma seja um pouco tarde.
Foi um processo político, pelo que se depreende do texto do ex-presidente.
No artigo, FHC deixa responder a duas perguntas, por razões que seu compromisso com os setores golpistas, principalmente o PSDB, impedem.
Quem pode conduzir o Brasil à saída desse labirinto?
Lula, é claro.
É o que o povo diz, através das pesquisas.
Se não for Lula, alguém que possa derrotá-lo eleitoralmente e se legitimar como líder da nação.
Fora disso, nenhum outro terá legitimidade, e já iniciará um governo sob contestação em janeiro.
FHC também poderia avançar um pouco e dizer como se poderia desarmar a bomba que pode levar o Brasil para o autoritarismo em escala maior.
Um passo simples é impedir que a Constituição continue sendo não arranhada, mas violada com a prisão estranha de Lula.
Estranha porque resultado de uma condenação sem prova e também porque Lula foi impedido de recorrer em liberdade.
A Constituição garante que ele teria esse direito, mas o Supremo Tribunal Federal, responsável por proteger a Carta Maior de violações, se recusa a votar a ação que reafirmaria a constitucionalidade do artigo do Código de Processo Penal que assegura a aplicação do princípio da presunção de inocência.
Fernando Henrique Cardoso poderia reconhecer que já vivemos num regime autoritário — ainda que sem farda e com aparência de legalidade, mas autoritário –, em que a vontade de alguns setores se impões sobre normas constitucionais.
Pelas normas constitucionais em sua plena vigência, não haveria alternativa: seria Lula livre.
Mas quem, com os compromissos que FHC tem, poderia dizer tal verdade?