“O que está claro é que a corrupção, real ou imaginária, está erodindo a confiança dos brasileiros em seu governo”.
A frase poderia sair da boca um dos analistas da Globonews sobre a greve dos caminhoneiros.
Ou dos mesmos analistas sobre os protestos ocorridos nos últimos meses do governo Dilma Rousseff.
Mas ela vem de um telegrama enviado pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil para o Departamento de Estado, em Washington.
E se refere ao governo dos militares, em 1984, o que mostra que, muito antes da Lava Jato, a corrupção já era um tema recorrente no noticiário.
O repórter Leandro Loyola, em texto publicado hoje no jornal O Globo, registra:
“O assunto dominava o noticiário à época e, segundo os informantes americanos, não apenas enfraquecia o governo de João Figueiredo (1979-85), como indicava o apodrecimento e o fim próximo da ditadura militar, no poder desde 1964.”
O telegrama cita Delfim Netto, então homem forte do governo, como alvo das denúncias de corrupção — uma sobre o caso das Polonetas e a outra sobre relatório Saraiva.
Em ambas as denúncias, Delfim aparece como destinatário de propinas bilionárias.
O telegrama confirma duas verdades: a primeira é que o governo militar não foi imune à corrupção como pensam ingenuamente os intervencionistas.
A outra verdade é que as denúncias de corrupção começaram a ganhar as páginas das imprensa e o noticiário de TV na medida em que os militares contrariaram interesses da elite econômica da época.
Jessé Souza lembra, em seu livro A Radiografia do Golpe (Editora Leya, 2016), que o amor da imprensa pelos militares acabou depois que o general Geisel anunciou o II Plano Nacional de Desenvolvimento, no final da década de 70.
“O II PND era muito mais articulado e refletido que o anterior e implicava forte intervenção estatal nas áreas de infraestrutura como produção de energia, sistemas de telefonia, portos, produção naval, etc.”, lembra o sociólogo.
Com o fim do namoro entre os militares e a elite econômica brasileira, destaca Jessé, entraram em campo os dois braços do que ele chama de elite da rapinagem — aquela que busca a riqueza a curtíssima prazo, predominante no Brasil.
Um braço é a imprensa, o outro, o Congresso Nacional.
Já havia mortos, desaparecidos e tortura como fruto do regime de exceção, mas a imprensa se calava. E no Congresso a oposição era moderada.
O súbito amor da elite pela democracia começou quando os militares, com o II PND, reforçaram o caráter nacionalista que ainda havia no seio da tropa.
O tom do Jornal Nacional, da TV Globo, mudou. Antes, para usar as palavras do general Médici, antecessor de Geisel, o país visto na TV era uma maravilha.
“Você vê o mundo em chamas e ao assistir o Jornal Nacional depara com um paraíso”, disse ele.
Depois do PND, começou a ser construída a imagem do país dominado pela corrupção.
É a estratégia de sempre — desde o período em que o Brasil era colônia de Portugal.
Estratégia que se repetiu para tirar Dilma e o PT do poder, e prender Lula.
Com uma diferença no elenco da farsa: entraram em cena juízes e procuradores.
Desde 2014, com a Lava Jato, brotou na elite um súbito amor pela Petrobras, justamente depois da empresa atingir o seu auge — o maior valor de mercado, no governo Lula, e a descoberta da maior reserva de petróleo do século XXI, o pré-sal.
Foi uma descoberta batizada de “passaporte para o futuro”, como corretamente dizia a propaganda petista.
Um futuro em que poderiam caber todos. Mas, para a elite da rapinagem, tratava-se de riqueza demais para ser dividida.
E começamos a ser novamente invadidos pelo noticiário do mar de lama.
“O que está claro é que a corrupção, real ou imaginária, está erodindo a confiança dos brasileiros em seu governo”.
Poderia caber num editorial do Globo de 2016.