Lamenta o suicídio de Bourdain? Abrace seu amigo depressivo.
Acordamos com uma notícia triste: o chef e crítico gastronômico Anthony Bourdain cometeu suicídio aos 61 anos.
Ele lutava há alguns anos contra a depressão – sutilmente e em silêncio, como costumamos fazer, já que depressão nunca foi cool.
Todos lamentam, é claro. Seus colegas de trabalho, fãs e amigos se questionam: o que leva alguém tão bem sucedido a atentar contra a própria vida?
A resposta é pequena, mas pesa: depressão.
Não importa o quão bom você seja no seu ofício ou quantos amigos estejam ao seu lado. Se você tem dinheiro no banco, uma linda família e alguma fé… Não importa.
A depressão é uma doença que não escolhe fracassados como vítimas (na verdade ela não é muito criteriosa na escolha de suas vítimas).
Há pessoas amadas e depressivas. Há pessoas bem-sucedidas e depressivas. Há padres – pra que mais fé em Deus? – depressivos.
Muitos expressam indignação quando um conhecido ou um famoso se suicida, mas, no tempo que sobra, quantos tratam a depressão – a doença do século – com a seriedade que ela demanda?
Poucos. Raros.
E a justificativa é simples: ninguém gosta de conviver com psicoatípicos. Na teoria, todos são empáticos. Postam lindos textões no setembro amarelo, teorizam incessantemente sobre doenças psíquicas, mas excluem o amiguinho depressivo da turma porque ele é “muito baixo astral.”
Quando alguém fala em se suicidar, dizem que é só pra chamar atenção (até quando a pessoa consegue). Quando vêem o amigo em uma crise, disparam irresponsavelmente: “VOCÊ JÁ TENTOU FICAR BEM?”
Não, imagina. Nós, depressivos, realmente nunca tentamos ficar bem.
Acaso houvéssemos tentado, a química do nosso cérebro já teria sido corrigida magicamente e poderíamos poupar o mundo do peso de nossa existência (e da existência de nossa doença).
Esse mundo que, cada vez mais cruel e hostil, é uma potente máquina de fabricar depressivos, ansiosos e suicidas, precisa, no mínimo, saber o quanto é difícil viver com depressão na geração do cada-um-por-si.
Não é difícil como uma equação de segundo grau. Não é difícil como sair da cama de manhã quando está chovendo.
É difícil como não conseguir sair da cama mesmo quando faz sol. Como sentir-se sempre insuficiente. Como não sentir a menor vontade de cumprir tarefas corriqueiras, como escovar os dentes e ir à padaria.
É difícil a ponto de, às vezes, pensarmos que a vida, de fato, não vale a pena.
Use a empatia que você tem para com Bourdain e aquela protagonista de “Thirteen Reasons Why” – uma abordagem desnecessária sobre um tema tão delicado, aliás – com aquele seu amigo psicoatípico, aquele com quem você provavelmente já perdeu a paciência algumas dezenas de vezes.
Em vez de pedir que ele se esforce (nem todos têm o poder da autocura, e, acredite, ninguém se esforça mais do que nós), ajude-o a se tratar (psiquiatra, terapia, exercícios físicos e muito amor!).
Ou tenha a decência de não chorar sobre o sangue derramado.