Ao tempo em que se revelou o processo de eugenia praticado por juiz e promotor contra uma Janaína Aparecida Quirino, mulher pobre de uma cidade do interior de São Paulo, o STF julgava se as conduções coercitivas, utilizadas mais de 200 vezes apenas na operação lava-jato, são compatíveis com a Constituição. Autoritários são os tempos em que se torna preciso entrar com ações jurídicas para que a Suprema Corte enxergue o óbvio.
O ministro Barroso, ao debater a questão da constitucionalidade das conduções coercitivas produziu mais uma das suas pérolas, afirmando que o Brasil vive um “surto de garantismo”. A frase não somente é infeliz quando se atenta para a realidade prisional brasileira, como visa ao fortalecimento de um discurso punitivista que manipula o ressentimento e o emocional da massa, assim como os nazistas jogavam a classe média apavorada e os lúmpens, com medo da proletarização e da esquerda, contra a “aliança dos banqueiros judeus com o bolchevismo”.
Enquanto do plenário do Supremo se ouvia as pérolas punitivistas de Barroso, o juiz Sergio Moro, alegando estar “muito ocupado” julgando os casos da Lava Jato, abriu mão da competência de julgar o processo do ex-governador Beto Richa, do PSDB. No mesmo processo em que, em novembro de 2017, argumentou que era juiz prevento do caso porque vislumbrou o envolvimento de dois investigados da operação, um deles Rodrigo Tacla Duran, autor de denúncias (ainda não apuradas) contra atores importantes da malfadada operação.
Do reinado absolutista da Justiça Federal de Curitiba veio outro verdadeiro Édito proibindo que órgãos de controle possam usar provas obtidas em delações premiadas. Para tentar justificar, esqueceu o direito brasileiro decidiu de acordo com a legislação dos EUA. A operação lava jato e a postura de integrantes do STF vêm estimulando uma forma de justiça despótica que não se preocupa em fundamentar os seus atos jurisdicionais a partir de uma racionalidade e dos postulados jurídicos estabelecidos.
Termos como os utilizados por Barroso no debate das conduções coercitivas se repetem e se irradiam por fóruns do Brasil todo. O último exemplo dessa forma de decidir se deu em Mococa.
Tanto o promotor de justiça quanto o juiz daquela cidade se eximiram de buscar na lei e na Constituição os fundamentos para os atos jurídicos que praticaram, prevalecendo a própria vontade de esterilizar uma mulher por ser pobre. Termos como “não tenho prova cabal, mas condeno porque a literatura jurídica me permite”, “nego com base no princípio da colegiabilidade”, “não tenho provas, mas tenho convicção” ou o mais recente “há velha ordem que precisa ser empurrada para margem da história e é nosso papel empurrá-la”, irradiam para o sistema de justiça e criam novas filiais.
Mococa é apenas a mais recente.