CPI da Delação será instalada semana que vem e pode se tornar o detergente da Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 15 de junho de 2018 às 11:15
Carlos Fernando, Figueiredo Basto e Moro

A Câmara dos Deputados deve instalar na semana que vem — terça ou quarta-feira — a CPI da Delação Premiada, para investigar a denúncia dos doleiros presos pela seção carioca da Lava Jato, Vinícius Claret, o Juca Bala, e Cláudio de Souza, conhecido como Tony ou Peter.

Os doleiros dizem que foram obrigados a pagar propina ao advogado Antonio Figueiredo Basto.

Segundo os delatores, os pagamentos de US$ 50 mil mensais foram feitos entre 2005 e 2013, para que ficassem protegidos de supostas acusações de outros investigados ao Ministério Público e à Polícia Federal (PF).

Um dos autores do requerimento de instalação da CPI, deputado Paulo Pimenta, diz que é necessário investigar as denúncias, inclusive para garantir a lisura de futuras delações.

“É uma oportunidade de passar a limpo a indústria das delações e as relações que envolvem escritórios de advogados, juízes e promotores, que transformaram a Lava Jato em um grande negócio”, afirmou.

Fatos para investigar não faltam, a começar pelos que deram origem à onda de delações que contribuiu decisivamente para derrubar um governo de Dilma Rousseff.

A CPI tem que retroagir ao caso Banestado e a 2006, quando o delegado da Polícia Federal Gerson Machado, de Londrina, procurou o juiz Sergio Moro para revelar que o doleiro Alberto Yousseff havia mentido em seu acordo de delação premiada.

Segundo ele, Yousseff continuava nas operações de lavagem de dinheiro e tinha ocultado pelo menos 25 milhões de reais de dinheiro sujo.

Mesmo informado de que Yousseff operava no mercado, o juiz não anulou o acordo de delação e só foi prendê-lo oito anos depois, em 2014, quando começou Lava Jato.

A história veio à tona em 2016, quando os advogados da Odebrecht chamaram o delegado para depor como testemunha em um processo conduzido por Moro.

O advogado de Yousseff, Antonio Figueiredo Basto, estava presente e, de maneira muito agressiva, tentou desqualificar o depoimento de Gerson.

Trouxe à tona fatos relativos à aposentadoria compulsória do delegado, por razões psiquiátricas. Moro impediu que Figueiredo Basto continuasse, e ficou em silêncio quando o advogado, em tom desafiador, disse ao próprio juiz:

“Você não quer buscar a verdade”.

Figueiredo Basto, a quem procurei em Curitiba sem que conseguisse retorno, é advogado nos casos mais rumorosos de Moro.

Em 2005, além de Yousseff, ele representava o empresário Tony Garcia, ex-deputado estadual, preso pela acusação de um golpe milionário no mercado através do consórcio Garibaldi.

Tony Garcia deixou a prisão depois de um acordo de colaboração negociado com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.

Por determinação de Moro, passou a grampear determinados alvos, inclusive políticos com foro privilegiado.

Comprometeu-se a devolver R$ 10 milhões para ressarcir vítimas do golpe do consórcio, mas não devolveu, e ficou por isso mesmo, apesar de Moro ter sido acionado.

Tony Garcia voltou ao noticiário há um mês, quando divulgou uma gravação mais recente, com o chefe de gabinete do então governador Beto Richa, sobre acerto em uma licitação para obra em rodovia do Paraná.

Os doleiros Juca Bala e Cláudio de Souza, o delegado Gérson Machado, o ex-colaborador Tony Garcia e Alberto Yousseff são pessoas que poderiam ser chamadas pela CPI.

Mas há outros que também têm muito a dizer.

Por exemplo, o advogado Roberto Bertholdo, que foi advogado dos ex-deputados José Janene e José Borbe e passou uma temporada na prisão por ordem de Moro, depois de bater de frente com o juiz.

Bertholdo foi acusado de realizar escutas clandestinas em telefones de juiz.

Ele sempre negou a autoria das escutas, mas admitiu que teve acesso a elas e, na época em que esteva preso, disse, em entrevista à afiliada da Globo em Curitiba e a uma repórter da rádio Bandeirantes, que Moro estava sendo usado para desequilibrar o mercado paralelo de dólar.

Yousseff tinha delatado antigos concorrentes, como Toninho da Barcelona, e operava livremente no mercado, apesar de preso.

“É só vir ao Cope (onde ele estava preso) e verificar que a Neuma Cunha vinha visitá-lo semanalmente quando estava preso e era quem operava câmbio para ele. Durante esse período, toda a operação de corrupção de Janene (José Janene, deputado federal) era transformada em dinheiro vivo por Youssef”, afirmou na ocasião.

O tempo mostrou que Bertholdo estava certo. A “Neuma Cunha” citada por ele é Nelma Kodama, que, oito anos depois, seria presa no aeroporto, tentando fugir para o exterior com 200 mil euros escondidos sob a roupa, inclusive na calcinha.

Outro que deve ser ouvido é Rodrigo Tacla Durán, o advogado que teve a prisão preventiva decretada por Moro já na Lava Jato, e se refugiou na Espanha.

Tacla Durán, que tem dupla nacionalidade (brasileira e espanhola), teve a extradição negada pela Justiça da Espanha e começou a escrever um livro em que denuncia o advogado Carlos Zucolotto Júnior, amigo e padrinho de casamento de Moro, como intermediário em uma negociação para vender facilidades em acordo de delação premiada.

Este é um roteiro básico, para buscar a verdade, sem perder de vista o essencial: os doleiros Juca Bala e Cláudio de Souza, operadores de Dario Messer, podem estar mentindo a respeito do esquema de proteção que denunciaram.

Mas há um fato dá verossimilhança ao que disseram: duas famílias comandam há décadas o mercado paralelo de câmbio no Brasil, o mesmo que usou os mecanismos do Banestado: Messer e Matalon, um no Rio, outro em São Paulo.

Nenhum deles foi incomodado por Moro, e Dario Messer conseguiu fugir do Paraguai antes que a polícia chegasse aos endereços conhecidos dele. Messer foi provavelmente avisado da prisão iminente e hoje, pelo que se comenta no mercado, se encontra refugiado em Israel, onde tem cidadania.

Pelo bem das instituições brasileiras, a CPI da Delação pode se transformar numa lufada de ar fresco no meio ao deserto que a Lava Jato criou. Um detergente para eliminar suspeitas.

Espera-se que a OAB não se oponha ao depoimento de dois suspeitos: Antônio Figueiredo Basto e Carlos Zucolotto Júnior.

Em última análise, o instituto do direito de defesa sairá beneficiado com uma investigação séria, já que a Lava Jato deu protagonismo a advogados que se comportam como linha auxiliar da acusação.

A verdade, doa a quem doer.