Lenina Pomeranz, filha ele poloneses, formada em economia pela USP, uma das maiores especialistas em Rússia do Brasil, deu entrevista à revista do Valor, Eu & Fim de Semana, falando de Putin:
A senhora fala que há uma demonização da figura do presidente Vladimir Putin no Ocidente. Por que essa avaliação?
Lenina: Pela responsabilidade que se atribui a ele no Ocidente por incidentes criados artificialmente e não comprovados. Veja-se os casos mais recentes: acusações de interferência nas eleições para a Presidência americana, no sentido de favorecer a eleição de Donald Trump; acusações de envenenamento de um ex-duplo espião russo e sua filha na Inglaterra, os quais, curiosamente apareceram vivos há pouco tempo, mas em refúgio secreto das autoridades de inteligência britânica, sem qualquer contato com o mundo exterior; acusações de determinação do assassinato de inimigos políticos; acusações de tentativa de assassinato do jornalista ucraniano Arkady Babchenko, numa farsa que tinha por base ser ele reconhecidamente inimigo de Putin [revelou-se posteriormente a farsa, montada com apoio da inteligência ucraniana, levando Babchenko a exigir atualmente R$ 50 mil por entrevista]. Nenhuma das acusações foi baseada em provas. Elas só serviram para criar a figura demoníaca de Putin. (…)
Sua visão sobre o presidente Putin é bastante positiva, o que não é muito comum no Ocidente. O que a faz vê-lo dessa forma?
São várias razões. A primeira delas é que, defendendo os interesses nacionais da Rússia, ele restabeleceu a dignidade do povo russo, que sentia tê-la perdido com o fim da União Soviética e a forma com que se desfez o chamado campo socialista. A Rússia voltou a ser uma nação. As outras referem-se ao seu protagonismo no cenário internacional, seja defendendo os interesses nacionais russos, seja intermediando conflitos em diversas regiões, apoiando-se basicamente nos princípios que definiu para a sua política externa. (…)
Que vitórias diplomáticas são as mais importantes?
Lenina: Nesse campo podem ser citadas as duras críticas à política de avanço da Otan às proximidades das fronteiras russas, assim como a defesa da multipolarização do cenário internacional, por um lado. E, por outro, as conversações para a eliminação das armas químicas na Síria, durante o governo Obama, sua atuação para a realização do pacto nuclear com o Irã – quando se comprometeu a receber na Rússia o urânio já utilizado na utilização da energia nuclear para fins pacíficos naquele país – e a participação na comissão que busca soluções para o conflito entre Israel e os palestinos. Putin recolocou a Rússia no cenário internacional como nação soberana e independente e, em relação à sua segurança, a população confia nele, particularmente os mais jovens. (…)
Putin está há quase 20 anos no poder. E, com a eleição para um mandato de seis anos, ele vai completar mais de duas décadas à frente dos destinos do país. Essa centralização de poder não é maléfica para o país e para a democracia?
Lenina: Não deixaria ele ser, se a democracia de que se está falando é a ocidental. A Rússia, sob Putin, é comandada de forma autoritária, não obstante estejam funcionando os poderes Legislativo e Judiciário, ao lado do Executivo. Embora a mídia no âmbito nacional seja dominada pelo governo, também há jornais de circulação nacional e TV de oposição ao governo. E as manifestações de rua, como em toda parte, aliás, têm que ser autorizadas e nos locais determinados pelas autoridades. Trata-se da chamada “democracia administrada”. A questão que se põe é se o cerco internacional a que está sujeita a Rússia não impõe restrições à democracia no plano interno. (…)