https://www.youtube.com/watch?v=YJabwpQcwAE
Quatro caras em frente a uma câmera. Desses caras que votam em Bolsonaro, dão nota pra mulheres desconhecidas na rua – “gostosa, 10/10” – e fazem vídeos no YouTube pra um público sedento por asneiras e por alimentar aquela fúria que não sabe exatamente de onde vem.
Everson Zóio – gostei do codinome, só que não – foi o youtuber que postou um vídeo em seu canal descrevendo em um tom cínico o estupro que praticou contra a ex-namorada. “Ela não queria transar e foi dormir. Puxei o pijama dela, com medo de ela acordar.”
Todos os homens riem no vídeo. O vômito vem ao limite da minha garganta, mas seguro.
Depois da repercussão, o estuprador disse que inventou a história e que se arrepende muito.
Quando a casa cai, todo mundo chora no pé do Caboclo.
Primeiro que um defensor de Bolsonaro -como é o caso, e por que será que não estamos surpresos? – não teria criatividade para inventar uma história tão rica em detalhes.
Bolsominions são conhecidos por sua inabilidade para pensar.
Segundo que quem defende machista, misógino e homofóbico, defende decerto um correligionário, e um correligionário de Bolsonazi é capaz de estuprar uma mulher e contar isso no YouTube (a menos que ela não mereça por ser muito feia).
A figura youtuber não poderia combinar melhor com seu ídolo.
Com pedaços de pau que usa pra destruir coisas nos vídeos, em ataques de histeria patéticos, de tão fakes, ele defende os valores da família e diz que “Bolsonário (?) vai chegar pra acabar com essa patifaria!”
Qualquer imbecil percebe que uma história é verídica quando ela combina inegavelmente com quem a conta. E é esse o caso.
Mas ainda que o youtuber tivesse inventado a história de mau gosto, isso não lhe eximiria da culpa: estupro não é brincadeira.
Não é engraçado pra quem sofre. Fazer piada com estupro não é só de extremo mau gosto, é também irresponsável e cruel, pois coloca um tema indiscutivelmente violento no patamar da normalidade, daquilo que é discutível e risível, e reúne em torno de um mesmo defensor de estupro outras centenas de defensores de estupro que só esperavam por alguém que lhes ratificasse a própria cretinice.
Tanto que choveram comentários como: “Estuprar a própria namorada, e isso existe?” ou “Quem nunca fez isso?”
Bem, eu nunca.
Estupradores estão por toda parte, à esquerda e à direita, no seu trabalho, na sua turma de ioga, na sua roda de amigos, nas suas relações afetivas.
Uma vez um homem com quem me envolvi afetivamente me disse, em tom de brincadeira, que sua ex-namorada dormiu durante a transa (imagina como estava animada…) e ele percebeu, mas não parou, porque afinal ela havia consentido. Pessoas não consentem nada enquanto dormem.
Esse homem comum não se considera um estuprador, mas ele é. Farinha do mesmo saco de Everson Zóio e de todos os que consideram normal sexo sem consentimento porque mantém algum tipo de relação com a vítima.
Vamos à explicação do óbvio: não importa se ela é sua namorada, ficante, esposa e o escambau. Não é não. Sexo sem consentimento é estupro, e se você praticou, você é um estuprador.
Imbecilidades com esta – e tantas outras – quase me convencem de que a profissão youtuber deveria ser desinventada, mas logo concluo que a culpa não é do YouTube.
Essa geração de youtubers teen de muito estardalhaço, muito corte e pouco conteúdo não é tudo o que o YouTube tem a oferecer: temos a Jout Jout, o Canal das Bee, o PC Siqueira, o Afros e Afins e tantos outros canais construtivos e interessantíssimos.
E, como o mundo não é ideal, temos também Nando Moura, Cocielo e o Zoio. Na internet há de tudo, basta saber separar o joio do trigo.
E essa é a parte difícil: esquivar-se das bizarrices enquanto estupradores e racistas têm milhões de seguidores nas redes.
“Mas nem todo homem”, alguns dirão. Sim, nem todo homem estupra. Tem os que estupram, os que estupram mas acham que não estupraram (porque o corpo de sua companheira lhe pertence), os que filmam o estupro, os que compartilham o vídeo do estupro, os que riem do estupro, os que apoiam o estuprador.
Todos são responsáveis pelas centenas de estupros que acontecem todos os dias.
Todos unidos em torno de uma cultura que só será dissolvida quando a revolução for, enfim, feminista.