Não se constrói um mito da noite para o dia. Por Fernanda Almeida

Atualizado em 31 de julho de 2018 às 18:26
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Publicado no GGN

POR FERNANDA ALMEIDA, assistente social e pesquisadora

Não esperava nem mais nem menos de Bolsonaro no programa Roda Viva. Nós o desafiamos quando ele se recusou o debate público. Ontem ele o fez… Grosso, insolente e psicótico. Sabíamos que ele não teria um desempenho diferente, afinal ele parece não temer o risco de queda de sua popularidade ao dizer o que realmente pensa: ódio, fascismo e conservadorismo. Ele tem certeza da fidelidade de seu público. E, isso sim, nos assusta! Isso sim, nos deve preocupar! O mito Bolsonaro não se confunde com o candidato Bolsonaro. Nós, democratas e de esquerda, sabemos combater o candidato, afinal ele não tem projeto para o país, ele é fraco e inexpressivo; o que nós não sabemos ainda é como combater o mito, porque ele é pura ideologia.

O mito é anterior ao candidato e vem sendo construído há anos. O mito é resultado do inconcluso processo democrático brasileiro, que engendrou uma ditadura sem tiranos e uma “anistia ampla, geral e irrestrita”, deixando de punir crimes de tortura e morte.

Lembram-se da frase “na ditadura era melhor, vivíamos muito bem, com segurança e disciplina”, repetida pelos senhores e senhoras “de bem”? Essa idéia nutriu e ainda alimenta o mito Bolsonaro.

Lembram-se das opiniões de algumas pessoas quando as tropas de Fleury assassinaram 111 presos no Carandiru em 1992? Eu me lembro… Muitos defenderam a matança e mantiveram vivo o postulado: “bandido bom é bandido morto”. Essa aberração civilizacional é vitamina para o mito.

O mito Bolsonaro parece reanimar aquela caricatura do taxista de São Paulo que votava em Paulo Maluf, nos finais de 80 e 90, e que gostava de explicar a suposta (ir)racionalidade da frase dita pelo político, hoje decrépito: “Estupra, mas não mata”. Eis o elixir para o mito Bolsonaro.

Vocês se recordam quando o programa do Ratinho foi criado, 1998? Mesmo período de seus “colegas” seguidores no telejornalismo sensacionalista, Datenas, Resendes e afins. Editores jornalísticos que constroem cotidianamente uma narrativa de punição e vingança com as próprias mãos. Isso é oxigênio para o mito Bolsonaro.

O mito Bolsonaro é resultado da “Elite do Atraso” que tem certeza que no Brasil não existe racismo. Alguém se recorda da publicação do diretor do jornalismo da Rede Globo Ali Kamel, “Não somos Racistas”, em 2006? O argumento justifica e fundamenta o discurso do mito Bolsonaro.

Enfim, nossa história recente é também construída por muita resistência e luta, por avanços democráticos e conquistas históricas, mas nunca eliminamos o germe que nutre aquilo que dá sustentação à ideologia que mantém Bolsonaro no lugar em que está. Evidentemente, a crise política aberta a partir de 2013 e outros tantos elementos políticos e históricos precisam ser considerados, mas acreditar que o Bolsonaro hoje, 2º colocado nas pesquisas eleitorais para Presidente da República, é produto do sujeito Jair Messias Bolsonaro, é um enorme equivoco.

Fazer a distinção entre o mito e o candidato, embora estejam representados pela mesma pessoa, nos ajuda a construir estratégias a curto, médio e longo prazo. Combater Bolsonaro nas urnas em outubro de 2018 (se é que haverá eleição) não é o mesmo que combater suas ideias, pois, mesmo derrotado o candidato, sobreviverá o mito. Se eleito ele será ainda pior, pois governará no esteio da coalisão entre fascismo ideológico e neoliberalismo em fase de profunda austeridade econômica.

Ele, o Bolsonaro Mito é uma espécie de parasita que depende de um hospedeiro, enquanto o hospedeiro estiver vivo o parasita será beneficiado. Ou seja, o parasita necessita do hospedeiro vivo e pulsante. Bolsonaro é o parasita e seus eleitores são os hospedeiros.

Se quisermos combater o Bolsonaro Candidato precisaremos também, e acima de tudo enfrentar o Mito, mas todo cuidado, pois não podemos eliminar o hospedeiro. Por isso mesmo temos que ser prudentes com a banalização recorrente nas redes sociais, ao expressar, “vota no Bolsonaro me exclui”. Temos que ter estômago para, “vota em Bolsonaro me explique as razões”, “me diga o por quê”, “vamos dialogar”. Principalmente para as pessoas que não tiveram acesso à formação política. É preciso ter paciência e organização política. Para eliminar o Bolsonaro Mito temos que dialogar com os hospedeiros. Essa não será uma tarefa fácil, tampouco individual.

Sem inocência, o diálogo não se faz a partir da disputa moral ou da consciência individual das pessoas, é preciso projeto político que incorpore os anseios, suas necessidades cotidianas, seus projetos de vida. Que acolham seus fantasmas e ajude a eliminá-los. E isso só se faz coletivamente, afinal a escala e amplitude do Bolsonaro Mito hoje é muito maior. Já o Bolsonaro Candidato esse não passa de um pulha.