Publicado originalmente em Os Divergentes
POR RICARDO MIRANDA, jornalista
“Só uma pessoa que não sabe o que é uma mulher ganhar um salário menor do que um homem, tendo as mesmas capacidades, a mesma competência, e ser a primeira a ser demitida, e a última a ser promovida, pode dizer que o Estado não deve se preocupar com isso. Tem que preocupar sim. Um presidente da República está lá pra combater injustiça”.
Marina Silva, da Rede, sapecando Bolsonaro
“Eu defendo a mulher, inclusive a castração química para estupradores”.
Jair Bolsonaro, do PSL, no córner, sem saber o que dizer e apelando para seu curto repertório de ideias
O debate da RedeTV!/IstoÉ foi de uma mesmice tão grande que, apesar do esforço da emissora de dizer que liderava o “Trending Topics mundial” – liderava mesmo – e fazia a “maior transmissão multiplataforma do Brasil”, só chamou a atenção, de novo, pela ausência do líder nas pesquisas. O nono púlpito, vazio, com o nome de Lula, por sinal, um aparente gesto democrático da emissora, não durou o primeiro bloco: foi retirado a “pedido” do fã de Ustra, Jair Bolsonaro, no que foi apoiado pelos demais candidatos, exceto pelo psolista Guilherme Boulos. A propaganda do “cimento do saco roxo” nos intervalos, piada pronta, concorreu com um debate de saco vazio, onde Alckmin voltou a tentar se distanciar de Temer – como se o PSDB não tivesse nada a ver com os quase 14 milhões de desempregados do país -, Bolsonaro seguiu exorcizando o “fantasma do comunismo” – onde, meu filho? -, Cabo Daciolo, de volta das montanhas, Bíblia nas mãos, fez seu marketing de Jesus, o “botocado” Álvaro Dias tagarelou sobre Lava Jato e o outsider Boulos repetiu a coisa dos “50 tons de Temer” pra mostrar que seus adversários eram farinha do mesmo saco. Não, não teve Ursal.
O lero-lero decorado e o media training que transformou todos numa mesma massa de boas intenções e declarações de amor ao povo brasileiro, não impediu, no entanto, que o sonolento debate tivesse seus momentos. O melhor deles, o mais inesperado. Era quase meia-noite, e o sábado já sorria, quando Marina Silva emparedou Bolsonaro, que ficou, literalmente, sem reação. O deputado-presidenciável havia repetido o discurso de que nada podia fazer sobre a flagrante discriminação contra as mulheres no mercado de trabalho – algo que até o Opus Dei Alckmin reconheceu que existe.
A tese de Bolsonaro, que não sabe uma estatística de cor, é que o Estado não pode interferir na iniciativa privada. “Não vamos usar as mulheres para nos dividir. Nós queremos o bem das mulheres. Mas o governo não pode interferir na iniciativa privada”, disse. Única mulher no grupo, Marina não perdeu a chance.
“Só uma pessoa que não sabe o que é uma mulher ganhar um salário menor do que um homem, tendo as mesmas capacidades, a mesma competência, e ser a primeira a ser demitida, e a última a ser promovida, pode dizer que o Estado não deve se preocupar com isso. Tem que preocupar sim. Um presidente da República está lá pra combater injustiça”, afirmou Marina, especialmente inspirada. “Eu defendo a mulher, inclusive a castração química para estupradores”, foi o que conseguiu regurgitar Bolsonaro, no córner, sem saber o que dizer e apelando para seu curto repertório de ideias. Marina, então, teve seu momento UFC. “Você (Bolsonaro) acha que pode resolver tudo no grito e na violência. E você fica ensinando aos nossos jovens que tem que resolver tudo na base do grito. Você pegou outro dia a mãozinha de uma criança e ensinou a atirar. É esse ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”, vociferou. Até Boulos, ao final, cumprimentou Marina por “ter colocado Bolsonaro no seu lugar”. Nada que abale os bolsominions, mas fica difícil dizer que o capitão-desejo-de-matar saiu bem no debate.
De resto, Álvaro Dias seguiu como garoto-propaganda da Lava Jato, quase erguendo um altar para Moro e Dallagnol. “A Operação Lava Jato tem que ser o grande canal de geração de emprego”, disse, sem explicar essa lógica reversa, prometendo criar 10 milhões de emprego e um crescimento anual de 5% do PIB. Guilherme Boulos seguiu batendo forte em Henrique Meirelles, que, curiosamente, só lembra de estatísticas boas de seu passado no Banco Central quando trata do governo Lula, esquecendo sua “contribuição” na Fazenda no catastrófico governo Temer, de onde mal saiu. “Seu time dos sonhos virou um time dos pesadelos para o povo brasileiro, com 14 milhões de desempregados”, lembrou Boulos.
Bolsonaro e Daciolo, que chegaram a ficar frente a frente, em um dos blocos do debate, se pouparam e compartilharam suas ideias feudais. “Um pai não quer chegar em casa e ver o filho brincando de boneca”, disse Bolsonaro, ao ser perguntado sobre educação. Daciolo, que não surfou na onda da Ursal, preferiu repetir sua teoria da conspiração das urnas eletrônicas. “Vamos votar em cédulas, em honra e glória do Senhor Jesus”, pregou, sem largar a bíblia.
Presentes na parte reservada à sabatina, os jornalistas Reinaldo Azevedo e Mauro Tagliaferri, da RedeTV, e Sérgio Pardellas e Celso Masson, da Istoé, não conseguiram tirar leite do debate azedo. Houve frases, aqui e ali. Ao falar de segurança, Boulos afirmou que “o problema está mais perto da Esplanada dos Ministérios do que das bocas da Rocinha”. E fez a única referência da noite, ainda que indireta, ao último candidato presidencial do PSDB, o hoje maldito Aécio Neves. “Basta ver helicóptero de cocaína de senador que ficou por isso mesmo.” Já Bolsonaro, repetiu o machismo de sempre. “A mulher tem um papel importante na segurança pública porque ela é que se preocupa com seu filho sair de casa”, disse.
Acertou Cabo Daciolo, quase ao final, ao resumir a ópera. “Isso aqui é um grande teatro”. Esqueceu-se que, desde que desceu das montanhas, faz parte dele. Ou volta para as montanhas ou assume seu papel, cabo.