Com a perseguição judicial-midiática ao ex-presidente Lula, muitos se perguntam: Por que tanta fúria? Por que tanto medo de que Lula volte a presidir o Brasil?
Como podem as instituições se unirem para condenar em tempo recorde, num processo sem prova e sem descrição de conduta criminosa, e impedir que se candidate um político que terminou o segundo mandato com 87% dos brasileiros considerando seu governo ótimo ou bom?
Talvez não haja uma única resposta, mas uma boa pista é dada pelo jornalista José Augusto Ribeiro, que acaba de publicar o livro “Lula na Lava Jato – e outras história ainda mal contadas” (Kotter Editorial).
O autor traça um paralelo entre a perseguição a Getúlio Vargas e a perseguição a Lula, separadas por mais de 50 anos.
“A Petrobras era um denominador comum entre a história de Getúlio e a história de Lula — e não era o único. Também o eram a luta de Getúlio pelos direitos trabalhistas e a luta de Lula pelo avanço social e o esforço de ambos pelo desenvolvimento da economia brasileira e pela melhor distribuição de renda no país. Nada mais natural, portanto, que a Petrobras seja uma das razões para a derrubada de Getúlio em 1954 e para impedir a volta de Lula ao governo em 2018”, escreveu.
Não se trata apenas de um palpite do experiente jornalista, que foi editor-chefe do jornal O Globo, e analista politico e apresentador da TV Globo, além de assessor de imprensa de Tancredo Neves durante sua campanha à presidência entre 1984 e 1985.
Na fixação da Petrobras como denominador comum, José Augusto Ribeiro começa por relatar o caso de Getúlio Vargas:
“A verdadeira razão para derrubar o governo era outra, como confessou sem a menor cerimônia o Rei da Mídia Assis Chateubriand, ao ser procurado pelo General Mozart Dornelles, subchefe do Gabinete Militar da Presidência e seu amigo desde a Revolução de 30, da qual Mozart participara como combatente e Chateubriand como jornalista.
O General perguntou por que tanto ódio contra Getúlio nos pronunciamentos diários de (Carlos) Lacerda (jornalista e futuro governador da Guanabara) e nas rádios de grande alcance e nos jornais de grande circulação de Chateubriand em todos os Estados. Chateubriand respondeu:
— Mozart, eu adoro o presidente, sou o maior admirador dele. Quando ele quiser, eu tiro o Lacerda da televisão e entregou para quem ele indicar, para a defesa dele e do governo. É só ele desistir da Petrobras…
Esse episódio me foi contado mais de uma vez, em entrevistas para um filme e para um documentário de TV sobre o presidente Tancredo Neves, pelo filho do General Mozart, o ex-senador e e-ministro Francisco Dornelles, que também o contou em depoimento para a TV Senado.
Getúlio tinha criado a Petrobras em 1953 e ela cresceu. Em seguida à crise mundial do petróleo, em 1973, a Petrobras chegou, no governo Geisel, às descobertas da Bacia de Campos, que viabilizariam a autossuficiência do Brasil em petróleo e abririam caminho, do ponto de vista da tecnologia, para o pré-sal.”
José Augusto Ribeiro conta que o segundo grande salto da Petrobras se deu em 2006, com a descoberta do pré-sal. E o que o governo Lula fez? Protegeu a empresa e os interesses brasileiros.
“O governo Lula, finalmente, levou a Petrobras ao pré-sal em 2006 e o protegeu, substituindo o regime de concessões petrolíferas adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso pelo regime do compartilhamento. Pela lei de Lula, era permitida a participação de empresas estrangeiras no pré-sal, mas sempre em associação com a Petrobras, para impedir a exploração predatória desse petróleo e manter seus lucros no Brasil, num fundo que destinaria 75% de seus recursos à educação e à saúde”, lembrou o jornalista.
“Com o impeachment de Dilma Rousseff — prossegue José Augusto Ribeiro —, o governo Temer mudou a lei de Lula, e deu facilidades milionárias às empresas estrangeiras no pré-sal, descoberto sem qualquer colaboração dessas empresas, graças à coragem e à competência do geólogo Guilherme Estrela, diretor de Exploração e Produção da Petrobras.
Com o apoio de Lula e Dilma, Estrela ousou, investiu tudo que podia de seu orçamento e produziu um milagre. De 13 furos que a Petrobras fez no pré-sal, tão profundos que a tecnologia disponível se esgotava e era preciso aguardar o completo desenvolvimento de uma nova tecnologia, bastaria que dois ou três furos apresentassem evidências de petróleo para os 13 serem um sucesso. Pois a Petrobras teve sucesso nos 13, o que não foi obra do acaso ou de Deus: foi obra de sua competência e de sua capacitação científica e tecnológica.
Na entrevista, Estrela acrescentou um dado que, em sua fúria privatista, o governo Temer teve de esconder quando restabeleceu os privilégios das multinacionais: só uma empresa estatal como a Petrobras poderia dar certo no pré-sal; uma empresa privada seria obrigada a pensar primeiro nos dividendos dos acionistas e não poderia fazer os investimentos e correr os riscos que a Petrobras assumiu.”
Concluo a leitura do livro “Lula na Lava Jato – e outras histórias ainda mal contadas” no momento em que se completam 64 anos da morte de Getúlio Vargas, que se suicidou em 24 de agosto de 1954, depois de se licenciar da presidência, pressionado por uma campanha que tinha como pretexto a corrupção, o famoso mar de lama.
Lula e Getúlio tem diferenças marcantes, a começar pela origem. Lula vem da classe popular, do sertão de Pernambuco. Já Getúlio emergiu da classe média ascendente da virada do século XIX, com origem numa das regiões mais conservadoras do Brasil, São Borja, Rio Grande do Sul.
Mas ambos se destacam pelo compromisso nacionalista.
Ambos são também classificados pelos críticos como “populistas”, como isso fosse um defeito.
Ambos foram alvos de uma campanha sórdida, que usa o discurso anti-corrupção apenas como pretexto para a luta política.
O livro de José Augusto Ribeiro trata de outras distorções da Lava Jato, mas é o relato sobre a Petrobras que chama a atenção.
Talvez porque signifique um fiapo de luz em meio à escuridão, uma tentativa de explicar esse movimento contra Lula, que parece irracional, mas, no fundo, é bem arquitetado.