O site de extrema-direita O Antagonista publicou um documento, provavelmente vazado pelo Ministério Público Federal, que dá conta de que o advogado Rodrigo Tacla Durán não quis prestar depoimento na Espanha a pedido da Lava Jato.
É meia verdade.
E meia verdade é também meia mentira e, como tal, de um jeito ou de outro, indigna de crédito.
Serve para alimentar fofoca, mas nunca como matéria jornalística.
Vamos aos fatos.
No dia 22 de agosto do ano passado, três procuradores da Lava Jato — Orlando Martello, Roberson Pozzobon e Júlio Carlos Noronha — encaminharam à Espanha pedido para tomar o depoimento de Tacla Durán.
O ofício foi remetido ao Ministério da Justiça espanhol, através do Ministério da Justiça brasileiro, com base na Convenção de Palermo, como é conhecido o tratado da ONU sobre crime organizado transnacional, e no acordo de auxílio jurídico mútuo assinado por Brasil e Espanha e transformado em decreto brasileiro em 2008.
Do lado espanhol, quem estava ciente do pedido era a procuradora Rosa Ana Morán Martinez.
No ofício, os procuradores fazem quatro solicitações à justiça espanhola:
– “Forneça as condições para que seja realizada a oitiva” de Rodrigo Tacla Durán.
– “Seja autorizada a exibição de documentos produzidos na investigação brasileira”.
– “Sejam as autoridades brasileiras informadas com antecedência para que possam programar viagem para participar do ato”.
– “Sejam compartilhadas eventuais provas já produzidas na Espanha”contra Tacla Durán.
A oitiva foi marcada para 4 de dezembro do ano passado, na Audiência Nacional, um tribunal superior da Espanha.
Nesse dia, Tacla Durán compareceu, mas não havia um único procurador brasileiro.
E, como prestar depoimento, se não havia quem interrogasse?
O site de extrema-direita O Antagonista publicou um trecho da ata da audiência, em que Tacla Durán aparece como questionado pelo juízo se gostaria de prestar depoimento, e ele disse que não, o que é natural: não havia perguntas específicas, nem procurador para formulá-las.
O que o site O Antagoista não informa é o teor do pedido brasileiro: a Espanha deveria apenas fornecer as condições para que a oitiva fosse realizada e permitir que os procuradores, além de perguntarem, apresentassem documentos.
É o que está no pedido, a que tive acesso.
Mas nenhum procurador compareceu.
E era a intenção deles comparecer, como fizeram constar no pedido — “Sejam as autoridades brasileiras informadas com antecedência para que possam programar viagem para participar do ato”.
A ausência dos procuradores pode ter relação com uma notícia que saiu no Brasil, a 27 de agosto, cinco dias depois de encaminharem o pedido na Espanha.
É que, nesta data, a Folha de S. Paulo publicou reportagem de Mônica Bergamo sobre o livro que Tacla Durán escreve, no qual relata que foi procurado pelo advogado Carlos Zucolotto Júnior, que lhe teria feito a proposta de obter facilidades no acordo de delação premiada, em troca de 5 milhões de dólares pagos por fora.
Carlos Zucolotto Júnior foi sócio de Rosângela Moro, esposa do juiz Sergio Moro e tem escritório no mesmo prédio do advogado que defende o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima em ações de direito administrativo.
No capítulo do livro tornado público, Tacla Durán transcreve o diálogo que teria mantido com Zucolotto, com quem, em outras situações, também já tinha tido relacionamento profissional documentado:
Carlos Zucolloto – Amigo, tem como melhorar esta primeira… Não muito, mas um pouco.
Tacla Durán – Não entendi.
Zucolotto – Há uma forma de melhorar esta primeira proposta. Não muito. Está interessado?
Tacla Durán – Como seria?
Zucolotto – Meu contato conseguiria que DD entre na negociação.
Tacla Durán – Certo. E o que ele pode melhorar?
Zucolotto – Vou insistir para que troque a prisão por prisão domiciliar e reduzir a multa, ok?
Tacla Durán – Para quanto?
Zucolotto – A ideia é reduzir a um terço do solicitado. E você pagaria um terço de honorários para resolver.
Tacla Durán – Ok. Pago a você os honorários?
Zucolotto – Sim, mas por fora, porque tenho que cuidar das pessoas que ajudaram com isto. Faremos como sempre. A maior parte, você me paga por fora.
Tacla Durán – Ok.
Em novembro do ano passado, na CPI da JBS, Tacla Durán entregou prints de seu celular, com o registro da conversa, prints que foram periciados na Espanha.
Carlos Zucolotto Júnior teria sido a razão para os procuradores desistirem de tomar o depoimento de Tacla Durán na Espanha?
Seria por causa da referência a DD?
Quem é DD?
Seria Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato?
Em vez de interrogar Tacla Durán, como ensaiou em agosto, o Ministério Público Federal talvez tenha optado pelo vazamento de uma meia verdade para um site amigo.
Tacla Durán reafirmou, através de seu advogado, Sebastian Suarez, que está à disposição das autoridades brasileiras para prestar depoimento.
.x.x.x.
PS: Encaminhei ao MPF no Paraná e-mail com o seguinte teor:
“Estou preparando reportagem sobre a oitava solicitada pelo MPF à justiça espanhola para ouvir Rodrigo Tacla Durán. O pedido foi enviado no dia 22 de agosto do ano passado e a audiência, realizada em 4 de dezembro. Na data, porém, nenhum procurador representou o Brasil.
Em razão disso, gostaria de ouvir o MPF sobre a razão de nenhum procurador ter comparecido, apesar do pedido registrar, expressamente, o desejo de que os procuradores fossem avisados com antecedência, para programarem a viagem e também do pedido circunscrever a ação das autoridades espanholas a fornecerem condições para a realização da oitava.””
Assim que receber a resposta, será publicada. Leia a nota do Ministério Público Federal.