Em entrevista à repórter Tânia Monteiro, do jornal O Estado de S. Paulo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, trilhou por um caminho de interpretação da legislação que não convém a uma autoridade de farda.
“O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos”, disse.
Villas Bôas não afirmou que o Exército não aceita a candidatura de Lula, mas manifestou a opinião de que a questão seja resolvida rapidamente.
Para um comandante militar, a consideração é indevida, já que o Brasil tem instituições próprias para fazer leis (caso do Legislativo) e aplicá-las (caso do Judiciário), onde Lula trava uma dura batalha, com decisões que juristas apontam como infundadas.
Se manifestações desse tipo eixarem ministros do Supremo acuados, o Brasil estaria hoje sob uma intervenção militar não declarada.
Em abril, antes que os ministros se reunissem para o julgamento do habeas corpus de Lula, Villas Bôas publicou um tuíte que foi interpretado como ameaça.
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu no Twitter.
Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, respondeu:
“Alguns pronunciamentos manifestados no dia de ontem (terça), especialmente declarações impregnadas de insólito conteúdo admonitório claramente infringentes do princípio da separação de poderes impõe que se façam breves considerações a respeito desse fato, até mesmo em função da altíssima fonte de que emanaram”, disse.
Experiente, Celso de Mello votou pela concessão de habeas corpus a Lula, apesar da advertência do comandante do Exército. Mas… e Rosa Weber? O voto dela contra a concessão do habeas corpus foi confuso.
Teria sucumbido à pressão.
Celso de Mello lembrou que os militares devem estar sujeitos à autoridade do poder civil, como define a Constituição, não o contrário.
Pelo jeito, Villas Bôas não levou em consideração o que disse o ministro e, com sua entrevista, voltou fazer advertências indevidas. Falou até da facada em Bolsonaro.
“O atentado é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas. A intolerância está muito grande”, afirmou.
Para ele, o atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada.
“Por exemplo, com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção. Daí, altera o ritmo normal das coisas e isso é preocupante”, destacou.
Na tarefa de aliviar a pressão, ajudaria muito se o comandante do Exército não fosse além de suas atribuições constitucionais. Definitivamente, o Brasil não tem poder moderador.
A Constituição, já tão violentada, está acima de todos
Leia os principais trechos da entrevista:
Como o Exército acompanha a tentativa de registro da candidatura do ex-presidente Lula?
A gente vem pautando nossa atuação e discurso em cima da legalidade, legitimidade e estabilidade. Entendemos que a estabilidade é fundamental para o funcionamento das instituições. Até porque, o inverso, a instabilidade, implica diretamente nossa atuação, como na greve dos caminhoneiros. Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo. Nos preocupa também que as decisões relativas a este tema sejam definidas e decididas rapidamente, de uma maneira definitiva, para que todo o processo transcorra com naturalidade.
Um dos argumentos da defesa de Lula é um parecer do Comitê de Direitos humanos da ONU. Como avalia?
É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo.
Na possibilidade de Lula se tornar elegível e ganhar, qual seria a posição das Forças?
Quem chancela isso é o povo brasileiro. Nós somos instituição de Estado que serve ao povo. Não se trata de prestar continência para A ou B. Mas, sim, de cumprir as prerrogativas estabelecidas a quem é eleito presidente. Não há hipótese de o Exército provocar uma quebra de ordem institucional. Não se trata de fulanizar. O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos.
Até quando essa questão tem de ser decidida?
Que seja decidida com oportunidade para que o processo eleitoral transcorra normalmente e naturalmente.
O sr. acha que, se um dos extremos ganhar as eleições, radicais oposicionistas poderiam provocar desordem no País?
Absolutamente, não. O País atingiu uma maturidade. Eventualmente, podem ocorrer ações isoladas, de pequena monta, sem adquirir este caráter de uma grande instabilidade para o País.
Bolsonaro aparece como candidato dos militares. Ele é o candidato das Forças Armadas?
Não é candidato das Forças. As Forças Armadas são instituições de Estado, de caráter apolítico e apartidário. Obviamente, ele tem apelo no público militar, porque ele procura se identificar com as questões que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada.
Um eventual governo Bolsonaro poderia ser considerado um governo militar?
Absolutamente, não. Não é um governo militar. A postura e a conduta das Forças Armadas serão exatamente as mesmas em um governo de esquerda ou de direita, sem fulanizar.