A justiça em Brasília rejeitou o pedido do senador Zezé Perrella para o DCM retirar as reportagens sobre o Helicoca. Perrella não recorreu, e a sentença transitou em julgado, isto é, se tornou definitiva, e por essa razão, em respeito aos leitores que acompanharam o caso, está sendo agora publicada (íntegra abaixo).
Em novembro de 2014, um helicóptero da família do senador Perrella foi apreendido com 445 quilos de pasta base de cocaína, em uma fazenda em Afonso Cláudio, no Espírito Santo. A velha imprensa noticiou o episódio, e depois não tocou mais no assunto.
O sumiço do caso do noticiário fez despertar a suspeita de que, na verdade, as TVs, rádios, jornais e sites estariam protegendo não Perrella, mas um aliado dele, o também senador Aécio Neves, na época pré-candidato a presidente pelo PSDB.
A cocaína era associada ao nome de Aécio, com rumores (a rigor, não comprovados) de que, quando governador, teria sido internado com crise de overdose em Belo Horizonte.
Um correligionário de Aécio, José Serra, na época rival dele na disputa por poder dentro do PSDB, em conversas reservadas, espalhava o rumor.
Um jornalista do Estadão, amigo de Serra, publicou artigo no jornal com o sugestivo título “Pó parar, governador”.
Nessa mesma época, um primo de Aécio, coordenador de suas campanhas na região de Cláudio, berço da família, foi preso depois de ser flagrado em escuta telefônica negociando com um desembargador a compra de um habeas corpus para liberar dois traficantes.
O desembargador que concedeu o habeas corpus havia sido nomeado para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais por Aécio Neves, quando governador.
Serra, na semana em que o helicóptero foi apreendido, assinou artigo em que está escrito que a cocaína seria o principal tema das eleições de 2014.
É público que Aécio, depois da apreensão do helicóptero, pressionou a Executiva do PSDB a antecipar a decisão de indicá-lo candidato a presidente.
Portanto, ao esconder a notícia, a velha imprensa poupava o futuro candidato, rival de Dilma Rousseff, de situações, no mínimo, incômodas.
O DCM buscou ocupar essa lacuna, mas, sem a mesma estrutura dos veículos corporativos, recorreu aos leitores, através do financiamento público, a vaquinha virtual, o crowdfunding.
Com esses recursos, eu estive no local dos fatos, ouvi quem participou da investigação, entrevistei um dos pilotos do helicóptero.
O resultado desse trabalho foi uma série de reportagens publicadas no DCM, e o documentário veiculado através do canal do DCM no YouTube.
A repercussão foi grande, e o caso passou a ser conhecido como Helicoca.
A reação também se deu na mesma medida. Durante a campanha de Aécio, o vídeo foi retirado do YouTube graças a uma fraude.
Um internauta, usando um computador em Belém do Pará, inventou a acusação de que o DCM teria violado direitos autorais.
Como o YouTube, diante de denúncias desse tipo, retira automaticamente do ar o vídeo, o público ficou sem ter acesso ao documentário naqueles dias.
Quando se comprovou que o DCM não havia violado direito autoral algum, o vídeo voltou ao ar, alguns dias antes da eleição.
Começou, então, uma onda de ações judiciais, todas com um desfecho parecido com a desta última decisão em Brasília.
“Quanto a este elemento, verifico que não foram (re)produzidas informações falsas. Não se trata, à toda evidência, das chamadas fake news, tendo em vista que os noticiários produzidos pelo segundo réu especificam que ‘um helicóptero com 445 quilos de pasta base de cocaína foi apreendido numa fazenda no Espírito Santo’ e que a aeronave pertencia à Limeira Agropecuária, empresa da família Perrella”, escreveu na sentença o juiz Pedro Matos de Arruda.
Disse mais:
“O Diário do Centro do Mundo critica a forma de condução das investigações e as conclusões alcançadas. Não ultrapassa, porém, o limite da liberdade de expressão tão cara ao Estado Republicano e Democrático. Não há notícia nos autos de que as informações foram obtidas por meio ilícito. Ao contrário, fez-se referência às investigações policiais.”
Na defesa do DCM, o advogado Francisco Ramos lembrou que a série de reportagens do DCM decorria de fato notório e requereu a intervenção da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). Anotou ainda que não houve extrapolação à liberdade de expressão/ informação.
O juiz deu razão à defesa do site:
“É um direito da imprensa livre tornar público tema avaliado como de interesse geral, assumindo as responsabilidades pela avaliação realizada e pela decisão de veicular a notícia, o que depende, como evidente, do atendimento de necessários pressupostos ditados como básicos ao exercício ético da profissão.”
O senador Perrella também processou o Google, para obrigá-lo a retirar os links que direcionam o leitor às reportagens do DCM. O juiz negou também esse pedido.
Numa época em que supostos especialistas em análise do noticiário, a soldo de organizações ligadas à velha imprensa, tentam minar a credibilidade da imprensa independente, associando-a a fake news, a decisão judicial de Brasília a respeito do caso Helicoca é um alento.
Não é fácil fazer jornalismo investigativo no Brasil. Além do custo elevado, há riscos de assédio judicial, que tem se verificado tão presente nos dias atuais.
Numa sociedade complexa, quem se move pelo senso do dever encontra forte resistência. Nada que supere o que disse Cícero, o tribuno romano:
“Quanto maiores são as dificuldades a vencer, maior será a satisfação.”