A expulsão dos bolsominions da Gaviões da Fiel e a importância de se posicionar em momentos históricos. Por Donato

Atualizado em 20 de setembro de 2018 às 11:07
Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians. Foto: Wikimedia Commons

Causou rebuliço uma nota do presidente da Gaviões da Fiel, a maior e mais antiga torcida organizada do Corinthians. Num resumo do resumo, Rodrigo Gonzalez Tapia, o Digão, afirmou o seguinte: que a história da torcida não comporta o fascismo e gentilmente convida os membros da agremiação que sejam eleitores de Bolsonaro a se desfiliarem.

“Passa lá no Vip e assina a carta de saída”, escreveu ele. Assim, na lata.

As reações ao manifesto são retrato do país atual: apoio ou condenação. No segundo grupo, estão as pessoas que entendem que futebol e política não se misturam, que o gesto da torcida organizada é um contrassenso ao se afirmar democrático ao mesmo tempo que proíbe a livre manifestação, e por aí vai.

Vamos lá, começando pelo papo reto. Todo mundo tem liberdade para votar em quem bem entender, bem como a Gaviões tem total direito de escolher quem ela deseja como associado. Como organização, ela pode definir os critérios para admissão – e também expurgo – de seus integrantes. Por questão obvia, palmeirense não entra, certo? Fascista também não, simples assim.

Uma torcida organizada e uniformizada é uma extensão do time e precisa estar entrelaçada com os valores do clube. O Corinthians é ‘o time do povo’, não pode compatibilizar com ideias prejudiciais ao mesmo povo. Não aceitar fascistas em suas quadras não é um contrassenso, é a confirmação de que democracia e autoritarismo são posições excludentes. O nazifascismo traz em seu âmago valores que não são considerados ‘liberdade de expressão’ nem em democracias. Racismo e apologia ao genocídio, para ficarmos somente em dois, são crimes. Ponto.

Posicionar-se é uma atitude corajosa, pois traz o ônus a reboque (e um deles talvez implique na cobrança por um esclarecimento da Gaviões frente ao posicionamento dos jogadores Jadson e Roger, ambos manifestamente apoiadores do inominável). ‘Comercialmente’ também é algo não recomendável. Ao não agradar a todos, reduz-se o ‘nicho de mercado’. Essa, portanto, pode ser a razão para que as demais grandes torcidas organizadas dos outros três grandes times paulistas, fiquem em cima do muro. Procuradas pela reportagem do Uol, todas declararam preferir ‘neutralidade’ quanto ao tema.

A postura da Gaviões é corajosa e é importante essa sintonia entre time e torcida. As ideologias não podem ser opostas, isso sim seria uma contradição. E o mais comum é vermos mesmo essa reciprocidade. Exemplifico: A torcida italiana da Lazio é uma das mais agressivas, racistas e xenófobas. Seus integrantes fazem a saudação nazista e vergam a suástica sem constrangimento algum.Sabem quem foi um histórico torcedor fanático e incentivador dessa ‘squadra’? Benito, aquele mesmo, Mussolini. Tem lógica ou não que a torcida herde esses valores?

Não é tarefa fácil sair em defesa de torcidas organizadas. O histórico de guerras entre elas com saldo de mortos é vergonhoso. É preciso reconhecer, entretanto, quando iniciativas para um aprimoramento civilizatório são tomadas. E a Gaviões faz isso. A ideologia democrática, se sempre esteve presente, foi-se enraizando cada vez mais, sobretudo após o movimento Democracia Corintiana encabeçado por Sócrates. Desde aqueles inesquecíveis anos 80, essa simbiose tem se aprofundado.

A Gaviões nunca ficou ‘neutra’ em questões políticas. Envia centenas de representantes à Brasília em ato contra a redução da maioridade penal; Realiza protesto em repúdio ao escândalo da merenda; É figura carimbada em manifestações por educação e moradia.

É exagero pintar a torcida com cores tão divertidas? Talvez. Mas repito que é louvável e digno de nota quando uma organização busca o aperfeiçoamento.

“Ah, mas tem o grito de ‘bichaaaaa’ na hora da cobrança do tiro de meta.” Tinha, não tem mais.