Publicado no Extra
O desespero bateu à porta do establishment político nos últimos dias. A polarização entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, adiantando o provável cenário do segundo turno, promoveu uma drástica mudança na campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB. Agora, os marqueteiros tucanos tentam convencer os eleitores de que há uma batalha entre extremos e que Geraldo representaria o centro virtuoso da disputa. Mas o próprio espectro eleitoral desmente essa tese.
Para começar, o PSDB está muito mais identificado com a direita do que com o centro. Desde o final do governo FHC, em 2002, o partido tem voltado suas políticas para a parcela mais abastada da população, afastando-se do ideal social-democrata de seus fundadores. Os rostos tucanos passaram por uma transformação. Deixaram a combatividade social de Covas e Montoro para se tornarem a camisa polo de Aécio e Dória. E a pá de cal foi o apoio ao governo Temer, um erro fatal, como muito bem identificou o senador Tasso Jereissati na entrevista ao estadão.
Em segundo lugar, o extremo representado por Bolsonaro pesca votos no lago tucano, o que só confirma a guinada à direita do partido. O candidato do PSL apenas potencializou o discurso e passou a defender pautas ainda mais conservadoras, como a flexibilização do estatuto do desarmamento, a diminuição da maioridade penal e a velha tese de que bandido bom é bandido morto. No fundo, Bolsonaro é um tucano de farda, com o fuzil na mão direita e a bíblia na mão esquerda.
Por último, a ideia de que Haddad é um extremista não cola nem entre seus adversários. A voz pausada, o jeito conciliador e formação acadêmica não só inviabilizam o rótulo como têm potencial para atrair até mesmo eleitores antipetistas. À sua esquerda estão os candidatos do PSOL e do PSTU, que, em determinadas e improváveis condições, poderiam encarnar o tal extremo oposto a Bolsonaro. Mas Haddad, não. Haddad não é extremo. Haddad é o verdadeiro candidato de centro.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tucano de mais alta plumagem e estofo intelectual, também já percebeu isso. Não foi à toa que, 10 dias atrás, declarou voto em Haddad caso ele passe para o segundo turno. A carta de ontem foi apenas um afago em Alckmin. O sociólogo FHC fez a leitura correta do quadro eleitoral. Ele sabe que o país precisará se unir contra a barbárie representada pelo candidato da extrema-direita. E sabe também que o adversário desse candidato não está na extrema-esquerda, está no centro e, por coincidência, é seu xará e companheiro de universidade.
- Felipe Pena é jornalista, escritor e professor da Universidade Federal Fluminense. Autor de 16 livros, foi diretor da Rede Globo e comentarista do Estúdio I, na GloboNews.