Em uma entrevista ao programa Pânico da Jovem Pan em que defende o porte indiscriminado de armas de fogo, Jair Bolsonaro menciona um lendário político do Espírito Santo, o finado Cabo Camata.
O candidato a presidente citou a suposta solução adotada pelo cabo, quando foi prefeito da cidade de Cariacica, para acabar com assaltos a ônibus. Ele escalava policiais à paisana para ficar nos coletivos e reagir à primeira ameaça de assalto.
A lembrança do Cabo Camata por Bolsonaro foi muito oportuna, pois os dois têm mais semelhanças além do passado na caserna. Ademais, a gestão desastrosa de Cabo Camata à frente de um dos municípios mais populosos da região metropolitana da Grande Vitória serve de alerta contra políticos que chegam ao poder pelo grito e às custas de promessas simplistas para resolver os problemas, em especial o combate à criminalidade.
Dejair Camata emergiu para a política vindo da Polícia Militar, onde ingressou em 1979. Ganhou destaque ao reivindicar melhorias salariais para os colegas de farda, assumindo a presidência da Associação dos Cabos e Soldados.
O ativismo rendeu a expulsão dos quadros da PM, mas o ajudou a se eleger deputado estadual em 1990. Em 1994 disputou o governo e chegou ao segundo turno, sendo derrotado por Vítor Buaiz, do PT.
A esta altura a fama do cabo havia ultrapassado as fronteiras espírito-santenses. Com declarações que caberiam no discurso de Bolsonaro, ele se afirmava um “outsider”, diferente dos outros políticos. Dizia que iria governar na base do açoite, chamado por ele de vara de gurugumba.
Seu projeto para a segurança pública do estado que na época liderava o ranking dos homicídios era sucinto. Dizia que se eleito daria 24 horas para os bandidos saírem do estado, em uma referência velada às ações de extermínio.
A ameaça à democracia representada por Cabo Camata era tão grotesca que levou ao improvável apoio da Globo ao candidato petista naquelas eleições, conforme Joaquim de Carvalho contou aqui no DCM.
Dois anos depois, o capital político acumulado na campanha ao governo ajudou o cabo a se eleger prefeito de Cariacica, situada ao lado da capital Vitória. A cidade combinava a deficiência de infraestrutura pública e de assistência social com um elevado índice de criminalidade.
Em vez de procurar elevar o IDH do município, deu uma de xerife. Criou um grupo de 22 homens, composto em sua maioria por ex-colegas da Polícia Militar. A “inteligência”, como era chamada, se reportava diretamente ao gabinete do prefeito.
“Segundo o Cabo Camata, o grupo não se tratava de esquadrão da morte, como suspeitavam setores da cúpula da Secretaria da Segurança Pública. A equipe era responsável, segundo ele, por alertar os ‘bandidos’ a ‘cair fora’ do seu território”, conta Xico Sá em uma cobertura feita na época para a Folha de São Paulo.
Entre as acusações contra Camata estavam a ligação com grupos de extermínio, jogo do bicho e no assassinato do deputado e radialista Antário Filho, morto a tiros no estúdio da rádio enquanto transmitia a programação de réveillon nos últimos minutos 1997.
Em 1998, foi flagrado em uma blitz e preso sob acusação de transportar armas contrabandeadas do Paraguai. Estava com três pistolas calibre 40 (de uso restrito para forças armadas), um revólver 38 e uma escopeta calibre 12. Esta última com a numeração raspada, artifício que dificulta a identificação de armas empregadas em delitos.
No aspecto administrativo, a gestão Camata foi marcada por atos de improbidade administrativa, com desvios de recursos de mais de 8 milhões de reais. O vice-prefeito Jésus Vaz denunciou o esquema e foi vítima de um atentado à bala, do qual saiu vivo. Segundo o autor dos disparos, foi Dejair Camata quem encomendou a tocaia.
A jornada de Camata terminou em 2000, na BR 101. Ele morreu em um acidente de carro enquanto viajava para o município de São Mateus, no Norte do Espírito Santo. Mesmo curta, a carreira política do Cabo Camata mostra os riscos que os chamados “outsiders” representam para o jogo democrático e os cofres públicos.
A modesta Cariacica, quem diria, tem muito a ensinar ao país. Cabe agora ao eleitorado aprender a lição ou insistir com o erro.