Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel
Sobre a pesquisa Ibope de ontem, que tanto desânimo causou, convém ponderar um punhado de coisas.
(1) A fantasia de que as marchas do #EleNão dissolveriam magicamente o bolsonarismo nunca foi mais do que isso, uma fantasia. O dia 29 foi importante para mostrar a força e a disposição de luta de tantos grupos – mas é uma luta que não se resolve com uma cartada e que, na verdade, não termina nem na eleição. Como resultado imediato, essa demonstração de força pode ter mobilizado setores reacionários, que se sentem profundamente ameaçados com o avanço das mulheres na sociedade brasileira, na direção de um “voto útil” no Bozo já no primeiro turno.
(2) O outro fator é o crescimento do desvario antipetista, alimentado pela mídia, pelo empresariado, por alguns intelectuais (ou intelectuais wannabe) e pelos candidatos do chamado “centro” (além da contribuição de sempre do judiciário). Trata-se, em alguns casos, da miopia induzida pela competição eleitoral; em muitos outros, de preparação de terreno para uma adesão envergonhada ao fascismo. O antipetismo cumpre, no Brasil de hoje, o papel que historicamente é do anticomunismo: o salvo conduto para a extrema-direita.
(3) O chamado “centro” resiste a assumir a única posição possível para um democrata, mesmo conservador, neste momento: afirmar que qualquer adversário político é melhor do que o fascismo e adiantar o apoio a qualquer candidato que enfrente o Bozo. Foi o que fez, no jornal de hoje, o empresário Ricardo Semler. Infelizmente, parece que poucos seguem seu exemplo. (Link para o texto dele nos comentários.)
(4) Talvez os pretensos liberais brasileiros se consolem com o exemplo de países europeus em que a extrema-direita chegou ao poder, nos últimos anos, e a democracia, embora baqueada, resistiu. É um auto-engano. A democracia brasileira já se encontra seriamente abalada, desde o golpe de 2016. Pelo extremismo do discurso de ódio e pelo desprezo confessado pela democracia e pelos direitos, Bozo e Mourão são muito piores do que seus colegas da extrema-direita europeia. E, sobretudo, aqui temos um vasto setor do aparelho repressivo do Estado (forças armadas, polícias, judiciário, ministério público) pronto para secundar o mergulho no fascismo.
(5) Pouco se pode esperar de Alckmin, que flerta ou se distancia da extrema-direita conforme as conveniências, ou de Marina Silva, cegada pelo ressentimento. Mas a base tucana que ainda se vê como genuinamente de centro e os remanescentes do marinismo de raiz têm o dever de pressionar suas lideranças para uma urgente correção de rumo.
(6) É mais complicada a posição de Ciro Gomes. É normal que ele esteja frustrado e guarde mágoas da manobra pesada de Lula que lhe subtraiu o apoio do PSB. É razoável que esteja um pouco perdido e até desesperado, com suas chances de chegar ao segundo turno desaparecendo a olhos vistos. Mas há algumas linhas que não é possível atravessar. Uma delas é banalizar a ameaça fascista aderindo ao discurso de que é necessário “evitar os dois extremos”.
É compreensível também que, como candidato, Ciro queira marcar suas diferenças em relação ao PT. Mas dá para fazer isso sem embarcar no antipetismo da direita.
Guilherme Boulos, que começou a campanha meio titubeante, hoje apresenta com clareza as diferenças entre seu projeto e o projeto petista, sem com isso insinuar que Haddad e o Bozo se equivalem e sem abrir qualquer brecha para que seu discurso seja aproveitado pela extrema-direita.
Cabe a Ciro e ao cirismo decidir se querem sair da campanha derrotados, mas como interlocutores legítimos que buscam ocupar centro político – ou igualmente derrotados, mas como oportunistas despreocupados com a democracia e os direitos, cúmplices de ódio e da violência.