Sem compromisso com a verdade: como Mara Gabrilli chegou ao Senado. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 10 de outubro de 2018 às 10:49
Mara, na campanha de Aécio em 2014

A deputada federal Mara Gabrielli, filha de um empresário que prestou serviços ao setor público durante quase quarenta anos, sobretudo na área de transporte público, se elegeu para o Senado com um discurso de campanha ao Senado de combate à corrupção e, para isso, faz acusações pesadas sobre um esquema de corrupção em Santo André, que teria vigorado no governo de Celso Daniel.

“Eu vi o esquema do PT destruir a saúde do meu pai”, dizia ela, no filme de campanha que veiculou na TV e ainda está na rede social da candidata. Mara tinha o direito de levantar a bandeira que julgasse melhor para atrair votos dos paulistas, mas dizer que o pai foi uma vítima inocente da corrupção não corresponde exatamente aos fatos.

No dia 13 de novembro de 2002, em depoimento prestado em uma CPI na Câmara Municipal de Santo André, ele admitiu que participou de um esquema de fraude à licitação, para poder operar uma linha de ônibus na cidade.

O presidente da CPI, vereador Antonio Leite, perguntou ao empresário Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho, pai de Mara, se ele se lembrava se tinha feito contato com empresários para que desistisse de uma licitação sobre um corredor de ônibus em Santo André. Gabrilli respondeu:

“Teve a Galvão, construtora Galvão.”

O presidente da CPI questionou: “O senhor lembra como foi a conversa que o senhor teve com eles?”

A resposta de Gabrilli foi de uma sinceridade desconcertante:

“Aí eles iam concorrer, pediram trezentos mil reais, e aí a gente concordou”.

O vereador Antônio Leite pediu confirmação:

“Pagar trezentos mil reais para eles desistirem?”

Gabrilli manteve o que disse:

“Isso. Teve mais duas que custou também, duas empreiteiras de São Paulo que iam concorrer e saíram”.

Em seguida, perguntado, deu detalhes de como fez o pagamento:

“Foi em dinheiro.”

Em sua propaganda eleitoral, Mara Gabrilli afirmava que um dos envolvidos no esquema de corrupção de Santo André era Sérgio Gomes, chamado de Sombra, pela proximidade com Celso Daniel.  Ela descreve uma cena de como supostamente agia:

“O Sérgio Sombra chegava para uma reunião, jogava o revólver na mesa e dizia: cadê o dinheiro?”, diz Mara.

Cena muito diferente do que diz o pai empresário, na CPI em que prestou depoimento sob compromisso de dizer a verdade.

O presidente da CPI pede que ele descreva como agia Sérgio Gomes, e Luiz Alberto Ângelo Gabrilli responde:

“Não tenho nada para falar dele”.

Poderia se imaginar que Gabrilli estivesse com medo, mas no mesmo depoimento ele descreve embates duros com pessoas que tinham influência no governo de Santo André.

Havia ameaças? Sim, mas segundo ele não eram ameaças à sua integridade física, mas própria de negócios que envolvem o poder público.

“Ameaçado era se eu não cumprisse as regras,  eu estaria fora do transporte”, disse.

O pai de Mara Gabrilli fundou a Viação São José de Transportes em 1965 e mais tarde se tornou sócio de Sebastião Passarelli e Duílio Pisaneschi, que se tornou deputado federal.

Foi presidente do Sindicato das Empresas de Transporte do ABC e da Associação das Empresas de Transporte Coletivo no período de 1995 a 2003. Era ele o interlocutor entre as empresas de transporte e os governos municipal e estadual.

Era, portanto, empresário experiente no poder público quando o PT assumiu a prefeitura de Santo André.

No final da vida, teve, efetivamente, dificuldades financeiras, mas a família não perdeu patrimônio.

Antes que houvesse problema com credores, ele se separou da esposa, Cláudia, mãe de Mara, e dividiu o patrimônio. A parte dela permaneceu longe de qualquer risco.

Cláudia acompanhou o já ex-marido (pelo menos oficialmente)  em suas internações, decorrentes de um grave problema de saúde que o levou a receber um rim transplantado.

O Ministério Público Estadual tomou seu depoimento no hospital, e este depoimento, gravado, foi usado para condenar quem operava com ele no sistema de transporte público de Santo André, como o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-secretário Klinger Luiz de Oliveira Souza.

Na transcrição do depoimento, são registradas as intervenções que a esposa do empresário faz, para lembrá-lo de algum detalhe ou citar nomes.

A justiça considerou que o empresário teve seu estado de saúde agravado em razão das pressões no esquema de transporte público. O pai de Mara já faleceu.

Ele depôs no hospital e na CPI, nunca falou diante de um juiz, na presença de representantes de pessoas que ele acusa.

Eu procurei Mara Gabrilli. A assessoria de imprensa disse, num primeiro momento, que o pai de Mara era obrigado a fazer coisas ilegais em Santo André com “arma na cabeça”.

Argumentei que não é isso o que consta de seu depoimento na Câmara Municipal, prestado na presença de seus advogados.

A assessoria enviou um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirma a condenação dos homens acusados pelo Ministério Público Estadual de terem cometido crime de concussão contra o pai de Mara — o Tribunal entendeu que, na condição de funcionários públicos, eles exigiram dinheiro para fazer ou deixar de fazer algo.

Houve recurso, e o caso ainda está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça e também no Supremo Tribunal Federal.

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São Paulo já teve no Senado políticos de peso e nomes respeitáveis como Franco Montoro, Severo Gomes, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy. Terá agora Mara Gabrilli e Major Olímpio, que dispensa comentário. É uma perda de qualidade gigantesca em relação a eles, mas se mantém o padrão Aloysio Nunes Ferreira, que se tornou chanceler do Brasil depois de perder a eleição na chapa de Aécio Neves.