Caro leitor, prepare-se para o réveillon mais inusitado que você já teve. Faremos a virada de 2018 para 1964.
Pelo andar da carruagem, não apenas teremos no Planalto um estimulador da tortura e adorador da ditadura, como teremos alguém recheado de estudos encomendados sobre uma possível volta do regime.
O mais recente Datafolha encomendado pela Globo fez qualquer cidadão já entrado em anos como este colunista sentir um desagradável e horripilante déjà vu. A cada pergunta que surgia na tela, um susto e um sentimento de pavor.
“Favorável à proibição de greves?” Oi? Em que ano estamos?
A nova pesquisa revela que, embora a maioria ainda discorde de medidas autoritárias, nada menos que 50% da população vê risco de estarmos às portas de uma ditadura.
E o quadro geral é assustador. Houve um crescimento considerável da parcela que concorda com ações truculentas. Em todos os tópicos. Em alguns casos quase dobrou, nos últimos dez anos, o número de pessoas que aceita ter suas liberdades estupradas.
Concordam que o direito a greves deva ser coibido, que determinado partido político possa ser proibido, que se possa intervir em sindicatos, que ‘suspeitos’ sejam presos mesmo sem autorização da Justiça.
Consideram aceitável inclusive a censura a jornais, rádios e TVs e, suprassumo da inteligência, que o Congresso Nacional seja fechado.
Pronto, o inominável já possui alguns dados na mão – que o estudo definiu como ‘possibilidades de ações’ – para elaborar sua agenda e trabalhar. É o Dataditadura.
Fechar o Congresso é algo que ele já afirmou em alto e bom som diante de câmeras e microfones ser a primeira ação a ser tomada. Hoje ele sabe que 21% dos brasileiros estão nessa com ele (sem contar a turma fardada a seu lado).
A revista Veja desta semana (que fiz questão de ler dada a hipocrisia de estampar o capitão na capa em tom de reprovação, como se ela nada tivesse a ver com a criação do Frankenstein) já trazia depoimentos de cidadãos que repetem o discurso suicida do início dos anos 1960: “Se for preciso passar por um período de ditadura para trazer melhora, tudo bem”.
É exatamente o mesmo raciocínio que naquela época era ainda acompanhado do ingênuo ‘depois eles nos devolvem’.
Como dito, trata-se por enquanto de minoria, mas que vem ganhando volume em ritmo alarmante. Só nos últimos 4 anos cresceu mais de 23% o número de pessoas favoráveis à prisão sem mandado judicial. Entende por que tempos visto tantos linchamentos?
O livro de José de Souza Martins (“Linchamentos – A justiça popular no Brasil”) é de 2015 e trazia o incrível dado de que havia 4 linchamentos e tentativas de linchamentos por dia no país. Com a ascensão vertiginosa do bolsonarismo arrisco afirmar que essa média já esteja defasada.
Esse Datafolha exige um profundo estudo, pois ele complementa um anterior que trazia o paradoxo atual da população brasileira que em sua maioria afirmou acreditar na democracia ao mesmo tempo em que dá preferência a um candidato escancaradamente anti-democrático.
Alguém que tem prometido acabar com toda e qualquer forma de ativismo, que ridiculariza direitos humanos e que já declarou considerar a atividade de grupos de extermínio como um ‘bom serviço prestado’.
Por que o brasileiro está a fim de dormir com o inimigo é o tema a ser passado para o próximo Datafolha ou para psiquiatras.