Publicado na Rede Brasil Atual
Ao ser reconhecido na 40ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, o escritor Bernardo Kucinski lembrou em pronunciamento a memória de Luiz Eduardo Merlino e o próprio Herzog. Tomou a morte trágica de dois dos mais brilhantes jornalistas de sua geração – ambos após violentas torturas nos porões da ditadura – como elo para sua expressão de perplexidade pela ascensão política de Jair Bolsonaro, apoiador confesso do crime de lesa humanidade que é a tortura.
“Como explicar o voto de milhões e brasileiros a um ser repulsivo? Como explicar um fenômeno de dissonância cognitiva de tal magnitude? Suas causas são certamente muitas e complexas. Mas não é um processo que nasceu ontem. Vem sendo cevado ao longo de décadas, desde que um operário, um simples operário, liderou as grandes greves que levaram à queda da ditadura e posteriormente se tornou presidente do Brasil”, definiu em sua fala durante a cerimônia de premiação, no último dia 25 de outubro.
O escritor disse não se espantar com a postura dos “donos do poder econômico”, já esperada, em favor do ex-capitão, tampouco com a da classe média “frustrada e enraivecida”, nem mesmo com a do povo pobre, presa fácil das teses de linchamento e justiçamento.
“O que mais me entristece e me envergonha neste momento (…) é a postura dos que deviam saber melhor, entre os quais, obviamente, nós, os jornalistas”, disse, numa referência à renúncia de uma grande parcela dos profissionais em relação exercício da ética e da crítica ao executar o noticiário ao sabor dos donos dos meios de comunicação sem pensar nas consequências para a democracia, para a sociedade e para outras vidas humanas.
Bernardo Kucinski abriu, porém, ressalvas ao compartilhar a premiação com “os jornalistas que exerceram e exercem a função mais nobre de nosso ofício, que é a de defender a liberdade, a vida e os direitos fundamentais do ser humano, entre os quais o direito à moradia, à alimentação, à educação e à saúde”.
Nesse momento, lembrou ainda do papel histórico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem assessorou nos primeiros anos de mandato presidencial. “Compartilho (o prêmio) também com o ex-presidente Lula, que à extensão desses direitos devotou sua carreira política, hoje, mais do que nunca, vítima do ódio coletivo e do linchamento.”
Respeitado professor de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Kucinski foi um dos pioneiros do jornalismo econômico, voltado à produção de conteúdo acessível ao cidadão médio. Com larga experiência na imprensa brasileira, comercial e alternativa, e internacional, deu na década passada valorosa colaboração para a criação da Revista do Brasil, embrião desta RBA – período em que começou a se desapegar do jornalismo para estudar e se aprimorar na literatura de ficção. Por meio da ficção, continuou expressando resistência, como cidadão, em favor da memória e da verdade.