Ao mesmo tempo em que atacava Lula e o PT, Moro já recebia acenos de Bolsonaro para o STF. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 12 de maio de 2019 às 14:02

Um ano antes da eleição, Jair Bolsonaro prometeu um benefício a Sergio Moro caso se elegesse presidente.

Em entrevista ao site de extrema-direita O Antatonista, Moro foi perguntado sobre a indicação do juiz ao Supremo Tribunal Federal:

— O próximo presidente vai poder indicar três ministros (na verdade, dois, pelo critério da aposentadoria compulsória). O senhor indicaria o Sergio Moro? — pergunta o repórter.

— Está na lista — responde o então pré-candidato (veja o vídeo abaixo).

Moro havia condenado Lula três meses antes, no processo do triplex do Guarujá, em uma sentença que mais de 100 juristas — sem nenhum vínculo com o PT — dizem ser inconsistente.

Lula foi condenado em um processo sem provas e por “ator indeterminados”, o que contraria frontalmente a legislação penal, conforme está narrado no livro “Crônica de uma sentença anunciada”.

Hoje, ao tomar conhecimento de que Moro fará parte do governo de Jair Bolsonaro, uma das organizadoras da obra, a professora da UFRJ Carol Proner, se manifestou no Twitter:

“Moro ministro é a prova da sentença anunciada”.

Por atos indeterminados, qualquer um de nós pode ser condenado.

O que fazer ou não fazer para afastar o risco de ser alcançado pela justiça?

Depois da sentença de Moro, fica difícil saber.

A sentença foi apenas um dos atitudes suspeitas do juiz, que tiveram como consequência óbvia a tentativa de desgaste da imagem de Lula.

Foi Moro quem, em março de 2016, mandou conduzir Lula coercitivamente para depor, sem que o ex-presidente tivesse se recusado a comparecer à justiça.

Pelo contrário.

O ex-presidente já havia prestado depoimento na justiça estadual de São Paulo.

Pouco depois, Moro divulgou para o Jornal Nacional as escutas telefônicas de Lula, que não revelaram nenhum crime, mas perturbaram seriamente o ambiente político.

E criaram o cenário propício para a derrubada de Dilma Rousseff da presidência da república.

Em maio de 2017, Moro gravou um vídeo em que se dirigiu a seus seguidores, para pedir que não fossem a Curitiba para acompanhar o depoimento de Lula. Mais uma evidência de que agia como político, não como magistrado.

Quando o Supremo Tribunal Federal negou habeas corpus ao ex-presidente, em decisão apertadíssima, em abril de 2018, Moro telefonou para o então diretor da PF para pressioná-lo no sentido de realizar logo a prisão.

Em julho, quando um desembargador do Tribunal Regional Federal concedeu habeas corpus a Lula, Moro interrompeu suas férias para dar um ordem no sentido de que o medida não fosse cumprida.

Na véspera do primeiro turno das eleições, Moro tornou público um dos depoimentos do ex-ministro Antonio Palocci, no acordo de delação premiada, com evidente desgaste na campanha de Fernando Haddad, o candidato de Lula.

São muitas as ações de Moro que desequilibraram a disputa política e pavimentaram o caminho que levou Bolsonaro ao Planalto.

O escândalo dentro do escândalo é que, ao mesmo tempo que, consciente ou inconscientemente, dava a sua contribuição para a campanha de Bolsonaro, Moro já sabia que poderia fazer parte do futuro governo.

Segundo o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, o futuro ministro da economia, Paulo Guedes, foi quem sondou Moro.

“Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito contato”, disse, segundo registro da Folha de S. Paulo.

Desde 2016, o DCM tem feito reportagens para mostrar a parcialidade do juiz.

Na série “Lava Jato — das origens à perseguição a Lula”, contamos como o processo, iniciado em 2006, se transformou num instrumento político.

No final de 2017, relatamos detalhes do que pode ser entendido como a indústria da delação premiada, isto é, depoimentos que, ao mesmo tempo que ajudavam no enredo para fustigar Lula e o PT, proporcionavam ganhos elevados a advogados, muitos deles do círculo próximo de Moro.

Em muitas de suas manifestações, Moro deu pistas de que pensava e agia como político.

Por exemplo, quando teve sua isenção questionada, se comparou a Lula, ao falar das fotos públicas dele com João Doria, adversário do ex-presidente.

Na verdade, as fotos com Doria eram apenas um detalhe, na reclamação de que Moro não poderia atuar em processos da Petrobras, já que a palestra realizada por ele em Nova York, organizada por uma empresa de Doria, tinha o patrocínio de escritório de advocacia contratado pela estatal brasileira.

“Pessoas tiram fotos em eventos públicos ou sociais e é possível encontrar, na rede mundial de computadores, dezenas de fotos até mesmo do Excipiente (Lula) com políticos oposicionistas, o que também não significa que, por conta da foto, eram ou se tornaram aliados políticos”, escreveu, em um despacho de maio deste ano.

O escritor Tom Wolfe, autor de “A Fogueira das Vaidades”, ao falar dos jornalistas, disse:

“Só existem duas maneiras de fazer carreira em jornalismo. Construindo uma boa reputação ou destruindo uma”

Com a entrada de Moro no Ministério, a frase poderia ser atualizada: o caminho mais curto para um juiz chegar ao poder política é tentando destruir uma biografia.

No caso, a de Lula.

Foi a oposição a Lula e a tudo que ele representa que levou Sergio Moro a se tornar aquele que deve ser o ministro mais forte de Bolsonaro, ao lado de Paulo Guedes.

Com os acenos de Bolsonaro, ainda na pré-campanha, Moro certamente já sabia que poderia chegar lá.

Teria sido um toma lá, dá cá?

.x.x.x.

Abaixo o vídeo em que Moro anuncia, ainda na pré-campanha, que cogitava nomear Moro para o Supremo: