Europeus temem avanço da extrema direita no continente após eleição de Bolsonaro

Atualizado em 5 de novembro de 2018 às 16:55
Protesto em Berlim contra Bolsonaro e o fascismo

Publicado na RFI

A conturbada campanha eleitoral brasileira e a escolha de Jair Bolsonaro como presidente tiveram forte repercussão no mundo. Na Europa, a chegada da extrema direita à esfera máxima do poder no Brasil preocupou a imprensa, organizações de defesa de direitos humanos e a população em geral, que temem uma repetição do fenômeno no Velho Continente.

“A preocupação é total, vem de todos os lados. Percebemos essa reação no Brasil, nos Estados Unidos, aqui na França, nas democracias do leste da Europa. Me dói ver essa situação, é horrível, aterrorizante”, diz a assistente social francesa Veronika Devrim, de 63 anos.

Para ela, que tem uma nora brasileira e vários amigos do Brasil, país pelo qual não esconde a admiração pela cultura, ver Bolsonaro chegando à presidência foi incompreensível. “Como, depois de todos esses anos de ditadura militar, os brasileiros puderam esquecer tudo o que viveram e eleger essa espécie de clown?”, questiona.

Entre os fatores que mais a aborrecem estão a participação de militares no governo, a ampliação do porte de armas a cidadãos, o discurso contra as minorias e a falta de conhecimento de Bolsonaro no setor da economia. “Há um discurso contra o PT, contra a corrupção, mas não vejo como esse governo pode ser melhor do que os últimos”, diz.

Fabrícia Martins, artista brasileira radicada na França, conta que vem recebendo muitas mensagens de apoio e solidariedade de amigos franceses após a eleição de Bolsonaro. “Acho que as pessoas têm essa noção da gravidade que muitos brasileiros não têm, infelizmente. Há a experiência de governos desastrosos e a História já ensinou muita coisa por aqui. Então, as pessoas estão indignadas e confusas, tentando compreender como o Brasil pôde chegar neste ponto”, explica.

Campanha eleitoral lembrou período entre guerras

Para o historiador Antoine Acker, professor da Universidade de Zurique, a mobilização e solidariedade dos europeus aos brasileiros se deve sobretudo a um passado que deixou raízes no Velho Continente. “Do ponto de vista da Europa, que foi palco da ascensão do fascismo entre as duas grandes guerras, o surgimento dessa violência e o fato de que muitos simpatizantes de Bolsonaro agrediram militantes de esquerda e integrantes de minorias étnicas e LGBTs lembram os europeus do clima dos anos 1920 e 1930, durante a ascensão do fascismo”, analisa.

Segundo Acker, não há dúvidas de que essa sensibilização também está relacionada ao medo do crescimento do populismo europeu e à consciência de que esse fenômeno pode se repetir na Europa. “É um temor justificado porque também vimos a extrema direita ascender rapidamente nos países europeus, como na Itália, por exemplo, onde há um governo da direita radical que conseguiu se instalar e ganhar muita popularidade”, salienta.

No entanto, o professor ressalta que a presença da União Europeia ainda estabelece o respeito das regras democráticas. “Na Europa, ainda há instituições fortes e estruturas supranacionais que protegem as democracias. Mas a popularidade da extrema direita nas opiniões é real e ela utiliza as mesmas ferramentas que no Brasil, como a propagação de fake news nas redes sociais, em uma velocidade preocupante”, conclui.

Iniciativas de apoio aos brasileiros

Fabrícia Martins participa de diversas iniciativas de apoio e suporte ao Brasil. Antes do segundo turno, ela ajudou a produzir um vídeo que reuniu mensagens de encorajamento e solidariedade de europeus e canadenses para os brasileiros. “Senti as pessoas muito abertas e disponíveis para esse projeto. O Brasil tem um bom lugar no coração das pessoas no exterior”, reitera.

A artista também tenta engajar franceses em iniciativas que estão sendo desenvolvidas no Brasil, como a plataforma “Ninguém Fica Para Trás”, que reúne verbas para cinco associações brasileiras de proteção e acolhimento de minorias, principais alvos de agressões e violências durante a campanha e após as eleições.

ONGs francesas de defesa de direitos humanos também se organizaram nos últimos meses e se mantêm mobilizadas em prol da manutenção da democracia no Brasil. É o caso da France Amérique Latine que, desde os anos 70, se engaja na mobilização dos franceses em causas e reivindicações latino-americanas.

No último 20 de outubro, a organização reuniu 35 associações, sindicatos e partidos políticos franceses na manifestação “Não ao Fascismo no Brasil”, realizada em Paris. “A quantidade de pessoas que conseguimos juntar foi surpreendente, já que não foi a primeira vez que essas organizações tentaram mobilizar os franceses sobre questões relacionadas ao Brasil. Percebemos que o interesse das pessoas foi despertado e isso pode levar a um engajamento maior para compreender e denunciar o que acontece no Brasil”, afirma Alban Senault, um dos porta-vozes da France Amérique Latine.

A ONG promete manter a mobilização no período pós-eleições e organiza na próxima quarta-feira (7) um debate sobre a situação política do Brasil na Casa da América Latina, em Paris. “Estamos também sempre em contato com associações e movimentos sociais brasileiros, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e o Movimento dos Atingidos por Barragens, e intensificamos essa relação para apoiá-los nas causas que defendem no Brasil, de forma que possamos repercuti-las aqui na França e fortalecer nossa solidariedade com os brasileiros”, completa.