“Longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas”.
Exceto pela idade – o caçula da trupe, Geraldo Alckmin, está quase batendo no setentinha -, a conjuntura que levou ao rompimento das lideranças do PMDB descontentes com Orestes Quércia no final dos anos 80, período em que o PSDB foi fundado, é bem parecida com o atual momento, em que o marqueteiro João Doria atropelou os tucanos e levou o partido de roldão.
Entre as diversas versões que se contam, duas têm mais consistência para explicar a ruptura de Montoro, Covas, Serra, FHC e cia com Quércia. A primeira começa em 1985, um ano antes da eleição para definir o futuro governador de São Paulo na sucessão de Franco Montoro.
Quércia era o vice de Montoro e teria tramado com prefeitos, vereadores e partidários do interior do Estado contra a postulação de Mário Covas.
Na época prefeito nomeado de São Paulo, Covas foi chamado por Montoro na sede dos Bandeirantes.
“Quero que viabilize sua candidatura. Você é o nosso indicado à minha sucessão”.
Covas sequer chegou a percorrer três dezenas de municípios para, desolado, retornar de mãos abanando.
“Impossível”, foi logo informando. “Todos com quem eu conversei já estão fechados com o Quércia. Não temos a menor chance numa disputa dentro do partido”.
Outro ponto que pesou a favor da ruptura teria sido o desprezo que lideranças como Fernando Henrique e, principalmente José Serra, nutriam por lideranças sintonizadas com o estilo interiorano de fazer política.
Na visão de ambos, Orestes Quércia não passava de um jeca atrasado, sem verniz intelectual e desconectado com as demandas de centros complexos e de vocação urbana como São Paulo.
Ocorre que FHC, Serra e cia eram jovens e cheios de energia em meados dos anos 80. Tinham planos, propostas e, especialmente, sabiam que havia uma avenida de quatro pistas pela frente, com muito a ser percorrido – e conquistado.
Mas, e agora?
Nos estertores da vida, teriam a mesma disposição para, como diz a frase que abre esse texto e que simboliza a fundação do PSDB, se manter “longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas?”
Se Quércia era caipira e atrasado, e isso causava urticária em quem defendia conceitos de uma centro esquerda alicerçada em desenvolvimento com justiça social, o gestor João Doria personifica algo talvez até mais repugnante: uma extrema direita escarrada, com discurso liberal desde que seja para beneficiar amigos, calcada no marketing fajuto e destituída de qualquer espírito público.
O vídeo em que o gestor aparece num bacanal com seis prostitutas – que ele diz que é fake mas se cala sobre, torcendo para que a gente esqueça da boa farra que viralizou – é apenas um sinal do seu perfil: na frente das câmeras, a moral e os bons costumes. Por baixo do pano a escória que submete a própria família à humilhação pública.
Pior do que Quércia, Doria também não é nada amistoso com os decanos do partido, como se pode observar nas grosserias que comete contra Alberto Goldman, ou na desconsideração a Geraldo, que bancou sua entrada na vida pública e acabou traído logo do ato de sua nomeação como prefeito de São Paulo.
Entre aqueles que conhecem o PSDB há quem diga que um grupo está organizando a debandada.
FHC, Serra, Geraldo, Goldman, Tasso Jereissati, entre outros, estariam se articulando para somar com outro ou mesmo fundar um nova sigla.
A questão é saber se esse pessoal está disposto a abrir mão desta vez às benesses que a caneta comandada por João Doria é capaz de proporcionar: cargos em comissão, em conselhos de estatais, negócios para os amigos, molezinhas diversas para sobrinhos, filhos dos vizinhos, cunhados vagabundos, etc, etc.
Trinta anos atrás, na faixa dos 50, todos eles acreditavam que seria possível superar as dificuldades iniciais e voltar com tudo. De fato a decisão se revelou acertada, mas e agora, há tempo?
As velhas lideranças tucanas acertaram quando ousaram e inovaram, mas erraram feio ao não renovar seus quadros, achando que seriam eternos.
João Doria, como Quércia lá atrás, percebeu isso e, literalmente, tomou o doce das crianças.