Publicado originalmente no Blog do Kennedy
POR KENNEDY ALENCAR, jornalista
Foi muito negativa a reação interna no Itamaraty à escolha de Ernesto Araújo para o comando do Ministério das Relações Exteriores no governo Bolsonaro. Levando em conta as opções internas que tinha, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, ficou com a pior.
Diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, Ernesto Araújo defende alinhamento automático com os Estados Unidos e já escreveu em artigo para revista diplomática que “somente Trump pode ainda salvar o Ocidente”.
Araújo ascendeu ao posto de ministro de 1ª classe recentemente. Nunca teve posição de comando de embaixada no exterior. Segundo diplomatas experientes, há perplexidade no Itamaraty com uma escolha tão ideológica e pouco técnica. O futuro ministro é considerado “júnior” para a tarefa que assumirá.
O uso do verbo regenerar para comunicar a indicação também causou surpresa no corpo diplomático. Ninguém sabe o que significará a “regeneração” da política externa anunciada por Bolsonaro num tuíte.
As ideias de Araújo eram pouco conhecidas no Itamaraty até que ele fizesse neste ano manifestações políticas a favor de Bolsonaro, chamando o PT de “Partido Terrorista”.
Segundo seus escritos, o futuro ministro mistura “geopolítica” com “teopolítica”. Acredita que o mundo ocidental está ameaçado pelo domínio do que chama de “marxismo cultural globalista”, pensamento que diluiria “gênero” e “sentimento nacional”. Parece má filosofia ou má teoria política.
Uma área tão delicada não pode ser tratada com tamanho amadorismo. O governo Bolsonaro nem começou, mas já criou arestas com Argentina, China, países árabes, Noruega e Cuba.
O alinhamento automático com os Estados Unidos é arriscado para o Brasil, que não tem o mesmo peso geopolítico que a maior máquina econômica e militar do planeta possui para comprar brigas na arena internacional.
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Dois tuítes e um problemão
Em duas postagens no Twitter, estabelecendo condições para manter cubanos no programa “Mais Médicos”, Bolsonaro obteve uma dura reação de Havana. Cuba disse que não atenderá aos requisitos do futuro governo brasileiro para continuar o programa: pagamento integral aos médicos do país caribenho.
A participação cubana de quase 50% no programa “Mais Médicos” é feita pela OPAS (Organização Panamericana de Saúde) por meio de convênio no qual um quarto do pagamento vai para os profissionais e dois terços ficam com Havana. Esse acordo foi mantido no governo Temer, que tem críticas a Cuba.
Bolsonaro criou um problema que vai penalizar os mais carentes no Brasil. Os médicos cubanos normalmente vão para cidades no interior do país, mais pobres e frequentemente do Norte e Nordeste. Parte dos médicos brasileiros não gosta de trabalhar nessas localidades.
Quando se invoca ideologia, há uma via de mão dupla. O Brasil poderá se afastar de alguns países, mas algumas nações também poderão se distanciar da futura administração Bolsonaro.