A defesa do ex-presidente apresentou habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 4a. Região na última sexta-feira para impedir que Gabriela Hardt sentencie Lula no processo sobre o terreno que seria do Instituto Lula e do aluguel de um apartamento vizinho ao do ex-presidente.
A defesa alega que Lula sofre constrangimento ilegal da parte da juíza Gabriela Hardt.
Lula foi ouvido neste processo no dia 13 de setembro do ano passado, em audiência presidida por Sergio Moro.
No início do mês, Moro saiu de férias depois de acertar sua entrada no governo de Jair Bolsonaro, a que servirá como ministro da Justiça.
Na semana passada, com a repercussão negativa da decisão de se manter magistrado enquanto encaminha a transição do governo, pediu exoneração.
Ao mesmo tempo, a substituta de Moro tocou os processos da Lava Jato e, com o processo do terreno concluído, ela determinou a conclusão dos autos, o que significa que se prepara para dar a sentença.
O problema, entretanto, é que o Código de Processo Penal, alterado em 2008, garante ao réu o direito de ser sentenciado pelo juiz que tomou seu depoimento.
É o que se chama, no direito, de princípio da identidade física do juiz.
Os advogados de Lula fizeram essa lembrança à substituta de Sergio Moro, ao pedir que o ex-presidente seja ouvido novamente.
Entretanto, ela indeferiu o pedido, contrariando, segundo a defesa, os artigos 196 e 399 do Código de Processo Penal, bem como no Pacto de San Juan da Costa Rica.
Para Gabriela Hardt, o principio da identidade física do juiz não seria absoluto. Na internet, se encontram artigos de juristas de dão razão a ela, porém um julgamento recente no Tribunal Regional Federal do Distrito Federal, citado pela defesa de Lula, resultou na anulação de uma sentença de primeiro grau, pelo fato de que a sentença foi dada por uma magistrado que não aquele que ouviu o réu.
Ao negar o pedido, Gabriela usou um argumento que pode ser entendido como pueril. “Os depoimentos das testemunhas e dos acusados foram todos gravados em mídia audiovisual e estão à disposição do Juízo, que irá analisa-los oportunamente, antes da prolação da sentença”, disse.
Ora, nessa caso, para que interrogatório presencial? Basta o juiz formular as perguntas para que o réu grave em vídeo, e seu advogado junte no processo.
Nesse episódio, destaca-se também uma balança de dois pesos e duas medidas presente na 13a. Vara Federal Criminal do Paraná.
Sob autoridade de Moro, o ex-diretor Renato Duque foi ouvido mais de uma vez, no mesmo processo, a pedido de seus advogados.
O juiz concordou, mas, naquele caso, não era para se defender, mas para acusar, numa tentativa de obter os benefícios de um acordo de delação premiada. Se, no viés de acusação, a Justiça aceita novo depoimento, por que não no de defesa?
Além disso, que prejuízo haveria para o processo um novo interrogatório? Só a pressa justifica a negativa de Gabriela Hardt.
Mas este não é o único problema levantado no habeas corpus para tentar impedir que a pressa da juíza incorra em mais uma condenação de Lula sem provas, e que possa ser interpretada como o desfecho de um jogo de cartas marcadas, um processo em que Lula já estava condenado antes mesmo da apresentação da denúncia pelo Ministério Público Federal.
Gabriela Hardt foi autorizada a substituir Moro através da portaria número 587, de 6 de junho de 2018.
Entretanto, a portaria não permite que ela atue no processos da Lava Jato. A vedação é expressa, ao estabelecer que ela exerceria a função “sem prejuízo de sua jurisdição, no período de 08 de junho de 2018 a 07 de dezembro de 2018, processar e julgar os processos distribuídos ao Juízo Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, com exceção daqueles relacionados à denominada Operação Lava Jato”.
Isso significa que, em tese, todos os atos praticados por ela nos processos da Lava Jato, inclusive os de Lula, seriam nulos.
É uma alegação que o Tribunal Regional Federal da 4a. Região terá de enfrentar nos próximos dias, ao julgar o HC.
Essa portaria repete outras, que também autorizaram Gabriela Hardt a substituir Moro, mas sempre com vedação a atos da Lava Jato.
Quando Moro entrou de férias, recentemente, foi aberta uma exceção: ela poderia atuar nos processos da Lava Jato, mas apenas entre 5 e 18 de novembro (Portaria nº 1.151, de 06 de novembro de 2018, editada pela Dra. Eliana Paggiarin Marinho, DD. Juíza Auxiliar da Corregedoria Regional do TRF4).
Nesse caso, Gabriela Hardt deixa de ter autoridade sobre a Lava Jato hoje. Outra portaria estabelece que, entre amanhã e 21 de novembro, caberá à juíza Carolina Moura Lebbos, da 12a. Vara Federal substituir Moro. Todas as portarias foram assinadas quando Moro ainda era o juiz titular, mas ele pediu demissão na semana passada.
Por isso, no HC impetrado sexta-feira pela defesa de Lula, os advogados dizem não saber perante que magistrado Lula se apresentará para fazer sua defesa.
“A instrução do feito foi conduzida sem imparcialidade por juiz agora exonerado e o Paciente está impedido, pela decisão impugnada nestes autos, de realizar sua autodefesa perante o juiz(a) que irá sentenciar o feito — o qual sequer é possível identificar neste momento segundo as designações em vigência e segundo as regras para o provimento do cargo de juiz da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba, vale dizer, segundo a garantia do juiz natural. Essa situação agrava o constrangimento ilegal imposto ao Paciente (Lula).”
O TRF 4, procurado pelo DCM, informou:
“A portaria foi publicada no dia em que Juiz Moro pediu férias. O documento designava a Dra Gabriela para substituí-lo somente até hoje, pois ela tinha férias marcadas, referente à escala do segundo semestre de 2018 (aprovada em maio de 2018), previstas para 19/11 a 18/12. Na mesma ocasião, foi designada a Dra Carolina Lebbos para substituição da Dra Gabriela, no período de 19 a 21, período inicial de férias marcado pela Dra Gabriela. Devido à necessidade de serviço, foram interrompidos os dias 19 a 21/11, 29/11 a 03/12 e 10 a 18/12 de férias da Dra Gabriela . Ou seja, ela estará em férias do período incialmente marcado apenas nos dias 22 a 28/11 e 04 a 09/12. Quem a substituirá será Dra Carolina, da 12ª, que já fora inicialmente designada para o período cheio. Carolina substituirá sem prejuízo da própria jurisdição na 12ª. Porém, agora, por motivo de interrupção parcial das férias da Dra Gabriela, será publicada nova Portaria dando conta das alterações.?
Sobre a vedação de atos de Gabriela Hardt na Lava Jato, o TRF 4 informou que será analisado no julgamento do HC impetrado pela defesa de Lula.