Quando Sergio Moro diz, em palestra, que está pensando em criar um Plano Real para combater “a alta criminalidade”, na verdade o que os políticos, seus concorrentes, podem entender é: o juiz está se preparando para seguir os caminhos do criador do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso.
Por que outro motivo ele teria feito esta comparação?
“O que se quer, a partir de fevereiro, é uma espécie de Plano Real contra a alta criminalidade no Brasil”, disse ele.
Moro é conhecido por manejar bem o Direito na sua atuação como magistrado — nem sempre, na opinião dos críticos, para fazer justiça, mas para atingir determinados resultados.
Como político, no entanto, lhe faltou habilidade ao pronunciar essa frase.
A comparação com Fernando Henrique Cardoso será inevitável.
Em 1994, quando Fernando Henrique era ministro da fazenda, o Brasil tinha tinha inflação anual de 2.777% ao ano, e o conjunto de medidas que adotou reduziram drasticamente os índices de elevação de preços.
Com isso, abriu caminho para se eleger presidente e, logo, ultrapassou Lula nas pesquisas de intenção de voto.
Elegeu-se naquele ano e, quatro anos depois, conquistou um novo mandato, com a mensagem de que foi o ministro que derrotou a inflação e o presidente que a controlou.
A área em que Moro pretende criar uma espécie de Plano Real é muito mais complexa e envolve variáveis que o governo não controla. Tem tudo para quebrar a cara.
Moro, pelo que anunciou na palestra realizada na FGV do Rio de Janeiro, pretende encaminhar um pacote de medidas no primeiro mês de governo.
Ele pretende acabar com a progressão de regime de prisão (de fechado para semi-aberto, por exemplo) para quem tiver vínculo com o crime organizado.
Pretende também flexibilizar a lei para permitir a infiltração de policiais em organizações criminosas, desconsiderando eventuais ilícitos praticados.
Quer também endurecer as regras de comunicação para presos que estiverem em presídios de segurança máxima.
Ele não detalhou este ponto, mas a única forma de tornar mais restrita essa comunicação — além de combater a entrada de celulares nos presídios — é interferir no relacionamento entre o prisioneiro e seu advogado.
No que diz respeito à corrupção, defendeu uma legislação clara para separar o que é propina do que é doação de campanha através de caixa 2.
Para ele, o divisor de águas é se houver contrapartida para o doador — nesse caso, seria propina.
Moro não deve desconsiderar que todo empresário que faz doação tem, no mínimo, a expectativa de receber algo em troca — em geral, já recebeu.
O que Moro quer é descriminalizar o caixa 2 para proteger gente graúda do seu governo. Bolsonaro recebeu doação de fornecedores de Furnas e da JBS.
Onyx Lorenzoni, o futuro chefe da Casa Civil de Bolsonaro, chegou a pedir desculpas por aceitar dinheiro não declarado da JBS.
O ex-juiz, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, nem assumiu e já está se assenhoreando do governo.
Num primeiro momento, ele se torna um problema político para Bolsonaro, mas, no médio prazo, um problema para si mesmo.
A ambição do ex-juiz vai jogar luz sobre sua atuação, e quem se acostumou a dar pedrada vai viver a dificuldade de ser vidraça.
Seria muito bom que o problema da falta de segurança fosse resolvido, mas sua solução vai muito além da criação de frases de efeito.
Moro será cobrado por prometer o que não poderá cumprir, sobretudo num governo que não pretende combater o maior dos males, a escandalosa desigualdade social, raiz de todos problemas.