Conheças as histórias por trás da gravação do maior filme de máfia já produzido por Hollywood.
Um diretor endividado e pressionado por um estúdio; um roteiro engavetado e recusado por muitos cineastas; dois atores desacreditados, sendo um deles um veterano que todos acreditavam já ter passado seu auge; um projeto destinado ao fracasso. Este, acredite, era o panorama da produção de O Poderoso Chefão, hoje uma presença certa em qualquer lista dos maiores filmes da história do cinema.
No fim dos anos 60, o escritor Mario Puzo foi aos estúdios da Paramount e da Universal para mostrar uma história que vinha escrevendo chamada A Máfia. Puzo tinha dívidas e precisava de 11 mil dólares. Conseguiu 12 mil da Paramount para terminar sua obra. Daí nasceu o livro O Poderoso Chefão, que se tornaria um best-seller internacional. Com seu tremendo sucesso, a Universal chegou a oferecer um milhão por um roteiro adaptado de Puzo. Os diretores da Paramount se viram obrigados a oferecer mais e fecharam com o escritor, atravessando o negócio com a Universal. Segundo alguns executivos da época, a Paramount torcia para que o livro vendesse menos e assim não tivesse que comprar os direitos de sua adaptação. Mas isso era impossível.
Depois de oferecer o roteiro para diversos diretores bem sucedidos da época, como Arthur Penn (Bonny & Clyde) e Peter Bogdanovich (A Última Sessão de Cinema) e serem recusados, um dos produtores decidiu que, uma vez que o livro tratava de uma família da máfia italiana, deveria escolher um diretor ítalo-americano. Seguindo sugestões, foi atrás de Francis Ford Coppola.
Coppola era um ex-aluno da UCLA, considerado um dos melhores formandos da universidade até então. Gabava-se de ser um diretor jovem, que fez seu primeiro filme aos 27 anos. Como todos os jovens diretores daquela geração, sonhava em fazer filmes autorais, baseados em seus próprios roteiros. Tinha criado uma produtora chamada Zoetrope, que buscava fazer filmes mais artísticos e arrumava financiamento para a produção de seus amigos.
Para ele, fazer O Poderoso Chefão seria se vender ao sistema, adaptando um best-seller e trabalhando para produtores executivos retrógrados e um estúdio famoso. Também não queria fazer um filme que retratasse os italianos daquela forma. Mas Coppola devia cerca de 400 mil dólares para a Warner, por ter produzido THX, uma ficção científica fracassada dirigida por seu amigo George Lucas, que bebia muito de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick.
Sua experiência não era o suficiente para um projeto do calibre de Godfather. Tinha dirigido apenas três filmes, nenhum deles um grande sucesso de bilheteria, e sofria com um certo preconceito dos executivos da Paramount. Mas depois de ter uma conversa com Charles Bludhorn, executivo da investidora de filmes Gulf+Western, Coppola foi convencido de que poderia dirigi-lo, apesar de ainda ter dúvidas se este era o projeto certo. E aconselhado pelo próprio Lucas, com muita relutância, decidiu aceita-lo, pela sobrevivência da Zoetrope.
O Poderoso Chefão foi um marco por ser, pela primeira vez, um projeto que tinha muitas expectativas de um grande estúdio, dirigido por um diretor da chamada “Nova Hollywood” – que acreditava que os diretores deveriam ter total controle das produções, como verdadeiros autores, diferente dos filmes produzidos nos tempos da Hollywood dos Anos Dourados, em que dava este poder aos produtores-executivos. Sendo assim, foi um eterno embate entre Coppola e o tradicional produtor Robert “Bob” Evans.
Os problemas já começaram na escalação do elenco. Coppola, influenciado pelo cinema europeu, queria fazer um filme sem grandes nomes, buscando atores desconhecidos do teatro, para que o público não tivesse ideias pré-concebidas e realmente acreditasse nos personagens. Evans achava que um filme não faria sucesso sem estrelas.
Para interpretar Michael Corleone, Coppola queria o jovem Al Pacino, até então desconhecido, tendo participado de apenas dois filmes. O estúdio ficou louco. Queria alguém com um ar mais heroico, como Robert Redford ou Warren Beatty. Coppola dizia que nenhum deles se passava por ítalo-americano. Até aí, o estúdio não acreditava em Al Pacino, com seu jeito desleixado. A aparente falta de confiança de Pacino também trazia inseguranças para o estúdio quanto às cenas mais tensas e violentas que Michael protagonizava.
O único grande nome que Coppola queria era Marlon Brando, que o estúdio não queria de forma alguma. Para muitos naquela época, Brando era um beberrão obeso, que já tinha passado seu auge e só trazia problemas para a produção, causando grandes atrasos. Seus últimos filmes tinham sido fracassos e suas confusões em O Grande Motim eram lendárias – consta até que Brando passou gonorreia para metade do Taiti, onde o filme foi rodado.
Às escuras, Coppola fez um teste com Brando; disse ao ator que era apenas um teste de maquiagem e gravou na sua própria casa, deixando uma câmera levemente escondida, enquanto os produtores não faziam ideia do que estava acontecendo. Sabendo que uma conversa com eles não resolveria nada, Coppola foi para Nova York, mostrando o teste para Bludhorn, da Gulf+Western. Bludhorn ficou surpreso com a atuação de Brando, dizendo que estava incrível.
Coppola tinha então ganhado duas batalhas contra os produtores do filme. Mas elas não eram as últimas.
A produção de O Poderoso Chefão foi muito conturbada. Coppola sofria pressão de ser demitido (junto com Al Pacino, que diz que todo dia chegava ao set pensando que seria seu último), com boatos de que um substituto já estava na espera — o Oscar que ele ganhara pelo roteiro de Patton dois anos antes foi o que o ajudou a se manter na direção. Durante a pré-produção, falou com o célebre diretor de fotografia Gordon Willis em filmar O Poderoso Chefão como se pinta um quadro, com os atores entrando e saindo de cena e discutiu a ideia de usar claro e escuro, luz e sombra para denotar os personagens. Willis decidiu usar a luz acima de Brando, para que não pudéssemos ver seus olhos, como uma espécie de personificação do mal, numa tomada que se tornou clássica.
O problema era que Willis era um cinematógrafo metódico, que gostava de marcar a cena com calma e pontuar bem a luz, enquanto Coppola, vindo do teatro, buscava o improviso. Willis achava que Coppola endeusava os atores, e Coppola achava que Willis os tratava como robôs. Certa vez, durante uma cena, Al Pacino entrou num corredor do set que não tinha sido combinado, direto no breu. Coppola ficou enraivecido: “Por que meus atores não podem entrar onde quiserem no set?” Willis respondeu: “Tudo bem, se você quer que ele entre ali, ilumino aquele corredor. Mas vai levar tempo.”
Coppola berrou: “Mas eu quero gravar agora!” E Willis retrucou entrando no seu trailer e batendo na porta. Coppola olhou para o assistente de câmera, que também saiu de fininho e se escondeu numa sala. Percebendo que ninguém da equipe de fotografia iria agir contra a vontade de Willis, Coppola gritou: “Por que ninguém me deixa gravar meu filme?” Depois disso, ele entrou em seu trailer, bateu a porta e deu socos tão fortes na parede que eles soavam como tiros. “Pensei que ela havia se matado”, diria anos depois o seu assistente de direção numa entrevista.
Coppola perdera muito tempo fazendo testes com atores, então as gravações começaram sem que eles tivessem ensaiada. Por isso, Coppola passava todas as manhãs dirigindo ensaios — deixando a equipe técnica às moscas para gravar só depois do almoço, atrasando as filmagens. Durante a noite ele reescrevia o roteiro, tornando impossível o planejamento das gravações. Os produtores não acreditavam nos atrasos e, vendo os dailies (material bruto das gravações) não conseguiam enxergar nada por conta da luz escura. Um dos produtores chegou a ironizar: “O que é isso? Ainda estou de óculos escuros?” Martin Scorsese chegou a visitar o set um dia e encontrou Coppola chorando, tamanha pressão que sofria.
Até o último momento, Coppola acreditou que O Poderoso Chefão estava fadado ao fracasso. Durante a edição, chegou a dizer para o seu editor: “Acho que fiz uma cagada. Quis fazer um filme de arte, à moda antiga, e acabei com um monte de velhos sentados numa mesa conversando.” Ao que o editor respondeu “É, acho que foi isso mesmo”.
O produtor Bob Evans, que era tido por Coppola como satanás a esse ponto, tinha prometido que deixaria o diretor terminar seu corte em San Francisco, onde os estúdios da Zoetrope ficavam, contanto ele tivesse no máximo 2h15 de duração. Depois de terminá-lo com mais de 3 horas, Coppola decidiu cortar muitas cenas para agradar Evans e fechou com 2h20. Mas ao exibi-lo pela primeira vez para os executivos, Evans questionou: “Onde estão todas aquelas coisas legais que gravamos?” Coppola botou as cenas de volta, mostrou a Evans e os dois concluíram que o filme ficara melhor assim.
Depois da exibição do corte final, os executivos ficaram empolgados. Inovaram na distribuição do filme; na época, as produções recebiam muita divulgação e eram distribuídas por poucos cinemas (tipo uma sala num raio de 80 km) para, depois de meses, lançarem nos cinemas de escalões mais baixos. Por conta da imensa expectativa dos fãs do best seller, os executivos decidiram distribuir O Poderoso Chefão em muitas salas de uma vez só, pedindo no mínimo 80 mil dólares adiantados e deixando a divisão de cota nas primeiras semanas de 90/10 para o estúdio.
O Poderoso Chefão alcançou 100 milhões de dólares, ultrapassando a maior bilheteria até então de …E o Vento Levou, que precisou de 33 anos e diversos relançamentos para chegar a tal número. Foi o começo dos blockbusters. O filme agradou todos os gostos: os amantes do livro achavam a adaptação fiel; os jovens consideravam genial, reforçando a ideia da contracultura, junto com os movimentos hippie e da Nova Hollywood; já os conservadores acreditavam que o filme reforçava os valores de família, perdidos na nova geração.
Pode-se afirmar que O Poderoso Chefão foi um marco na cultura da época, enfatizando conceitos que a Nova Hollywood trouxe com filmes como Easy Riders, como o fim do sonho americano. Muitos viram Michael Corleone como o presidente Nixon: uma pessoa que, a princípio, tinha metas boas, mas acaba se voltando para o mal. Coppola mesmo, dentro de sua visão marxista, via o filme como uma representação do capitalismo e conseguiu fazer de O Poderoso Chefão algo pessoal, com a briga entre os irmãos e busca pelo respeito do pai, problemas que viveu em sua família.
Coppola tinha brincado com os executivos da Paramount que, se o filme fizesse 30 milhões de dólares, pediria uma Mercedes 600, carro feito sob encomenda e caríssimo. Os executivos, prometeram que dariam caso o filme fizesse 50 milhões. Com os 100 arrecadados, Coppola foi junto com Lucas, em seu Honda, para uma concessionária Mercedes-Benz e encomendou um. Pediu para colocar na conta da Paramount.
Este texto foi publicado originalmente no site El Hombre