Por que o Rio é o estado campeão em governadores presos no Brasil

Atualizado em 29 de novembro de 2018 às 17:29
Pezão

Publicado originalmente na CartaCapital

Ao ser preso no início da manhã desta sexta-feira 29, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), se tornou o quarto mandatário do Estado a ir parar na cadeia só do ano 2000 para cá. Neste século, aliás, somente Benedita da Silva (PT), entre todos os que governaram o Rio, não passou ao menos uma temporada atrás das grades.

Pezão foi preso porque a Justiça atendeu a um pedido da procuradora-geral Raquel Dodge para detê-lo preventivamente (sem conclusão do processo e condenação definitiva). A justificativa foi a de que o governador preso, acusado pela Operação Lava Jato de receber propinas de empreiteiras na casa das dezenas de milhões de reais, continuava praticando os mesmos crimes até hoje.

Assim, sua prisão seria urgente, não podendo esperar que o mandato de Pezão se encerrasse, dentro de menos de dois meses. Diferente entendimento teve a procuradora-geral em setembro deste ano, quando solicitou a suspensão de um inquérito da Polícia Federal sobre pagamentos de propina que a empreiteira Odebrecht teria realizado ao presidente Michel Temer. Segundo Dodge, um presidente da República não pode sequer ser investigado investigado enquanto estiver no cargo, se os crimes apurados tivessem ocorrido antes do início de seu mandato.

De qualquer forma, algo deve explicar esta epidemia de governadores presos no Rio de Janeiro, algo sem precedentes no resto do país, ainda que a explicação seja complexa e possa levar muito tempo a ser esclarecida.

O cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, aponta que o Estado e a cidade do Rio não tiveram apenas governadores presos, mas presidentes da Assembleia Legislativa e membros do Tribunal de Contas do Município também. “Boa parte dos políticos que assumiram postos importantes (no Estado e na cidade) ou está presa ou é alvo de investigação”.

Sem apresentar teses fechadas, o cientista levanta hipóteses que podem ter relação com tamanho descalabro a que chegaram as contas públicas e as instituições no Rio. A primeira delas diz respeito a questões históricas e geográficas da política brasileira. A outra passa pela crise fiscal e econômica vivida pela unidade da federação.

“A gente não pode esquecer que é no Rio que surge a cultura política brasileira. E também que há um volume grande de empresas estatais federais funcionando no Rio de Janeiro. O centro do poder político brasileiro também passa pelo Rio”, lembra.

“Há um fio condutor, que é o da Lava Jato. Ela foi se desdobrando em tantas outras operações que desembocou em investigações que chegaram em nomes públicos de um Estado (Rio) que tem relação direta com o governo federal, por conta do número de instituições públicas ali sediadas”, diz Marchetti.

Isso faz com que, consequentemente, parte deles estejam dentro do espectro político da Lava Jato, a operação levada a cabo por procuradores e juízes que prometem caçar todos os homens públicos corruptos do país, embora não tenha chegado perto de políticos de muitas unidades da federação, como o Estado de São Paulo, por exemplo.

Cultura

Já para Fernando Schüler, cientista político do Insper, a situação tem a ver com o grau de tolerância da sociedade fluminense a grupos políticos envolvidos em práticas suspeitas.

“Ao longo dos anos, o Rio de Janeiro apresentou uma fragilidade da sua elite política. Inegavelmente, isso é um reflexo da sociedade. Em grande medida, o eleitor fluminense, historicamente, foi mais tolerante com políticos envolvidos em práticas duvidosas e não republicanas. De outra maneira seria inexplicável esse fenômeno”, afirma o acadêmico.

O professor lembra que todos os políticos que foram presos no Rio, antes de serem encarcerados, sempre se mantiveram ativos e competitivos na vida política do Estado. “Em 2014, por exemplo, havia uma série de suspeitas importantes envolvendo a gestão Sérgio Cabral e o MDB do Rio de Janeiro e, mesmo assim, o Pezão, candidato do partido, foi eleito.” Segundo Schüler, “não existe uma elite política corrupta com uma sociedade intolerante à corrupção”.

Investimentos 

O Rio foi, nos últimos anos, um dos estados que mais recebeu investimentos na federação. O volume de dinheiro, na visão de Schüler, não é um dos motivos da tamanha crise de corrupção que o Estado vive. “A corrupção não deriva do fato de que exista investimentos. Relacionar uma coisa com outra seria uma leviandade”. Ele destaca ainda que a corrupção não é o único problema fluminense, há ainda a questão da má administração feita ao longo dos anos.

“O Pezão se mostrou uma político tradicional, sem capacidade de reagir à crise, sem coragem de tomar medidas duras que eram exigidas no Rio de Janeiro, e sem tomar uma base na Assembleia Legislativa que desse suporte a medidas que precisavam ser tomadas. Havia toda a ideia de que o Pezão era um político com trânsito em todos os partidos e esferas dos sistema político e pudesse produzir uma virada no Rio, mas nada disso aconteceu”, conclui.