“A esquerda está muito sisuda”: Duvivier e o humor que nos falta. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 30 de novembro de 2018 às 17:09
Gregorio Duvivier

Quando soube que entrevistaria Gregorio Duvivier para o DCM, além da tensão pela responsabilidade de conversar com alguém que admiro há anos – porque adoro quase tudo o que ele fez, dos livros de poesia aos espetáculos de improvisação teatral e às crônicas na Folha – , só uma pergunta me veio imediatamente à cabeça: será que ele tem um palpite sobre onde, afinal, a esquerda errou?

Apontado como uma das vozes mais relevantes especialmente para o público jovem de esquerda (o que se tem chamado de “nova esquerda”) – em que pese o fato de ser um homem-branco-cis-hétero, como ele mesmo faz questão de ressaltar -, talvez, pensei, ele tivesse um olhar elucidativo sobre esse enigma que levanta muitas suposições, mas está longe de ter uma resposta.

Uma esquerda ainda ocupada com os vícios da lacrolândia – usar termos em inglês e fazer textão sobre o cabelo de Anitta, por exemplo -, assiste atônita à volta de um governo ultraconservador, militarista e ancorado por uma militância organizada, devemos reconhecer, mas estúpida a ponto de acreditar em fanfic do KitGay e usar chavões ridículos como “marxismo cultural”. Tá osso.

O que o próprio Gregório chamou de “governo dos especialistas em mediocridade” é resultado de uma série de fatores, como a ausência de debate, a nostalgia autoritária de uma parcela da população brasileira e a adesão da grande mídia à direita, mas não é o caso de jogarmos a toalha: “Tudo, menos desespero.”

Soa como uma mensagem de esperança da qual, mais do que nunca, precisamos: “O Brasil não é fascista; está fascista. Eu amo o Brasil e ele vale a disputa” – enquanto isso, do outro lado, os “patriotas” batem continência para a bandeira americana.

Não por acaso a resposta de Gregorio sobre a essência de nosso fracasso transitório foi justo o humor. “A esquerda está muito sisuda, todo mundo se leva muito a sério. Falta rir de si mesmo.”

E falta. Ciro Gomes, um centrista que conquistou parte da esquerda menos radical com sarcasmo e boas locuções adjetivas que o diga.

Sabemos muito sobre estar na defensiva (afinal, são anos de prática), mas já não sabemos rir de nós mesmos – e o militante de esquerda é frequentemente o chato viciado em problematizações chiques.

“Vamos boicotar o MC Donalds imperialista”, disse um esquerdista vegano agora mesmo em algum lugar do Brasil, enquanto a esquerda é massacrada e ridicularizada justamente por essa mania de problematizar pequenezas e perder o prumo da razão.

Em tempos de pompas intelectualóides e estantes de livros como cenário (essa indireta foi para mim mesma), não sabemos tornar nosso discurso mais simples e menos academicista para nos reaproximarmos de todos os públicos, porque estamos aprisionados nesse hábito maçante e egóico de falar sério – no fundo, todo mundo quer ser levado a sério, e quem não faz questão de se levar a sério é frequentemente tido como tolo.

“Por que então essa mania danada, essa preocupação de falar tão sério?”, perguntaria Tom Zé, que endossou a poesia de Gregorio em “Ligue os pontos: poemas de amor e big-bang.”

Nesses tempos de seriedade compulsória, me conforta saber que há ao nosso lado alguém que mistura humor e informação, fala muito sério enquanto provoca gargalhadas e não perde a velha mania de rir de si mesmo.