“Execução dos sem terra na PB é resultado do discurso fascista de Bolsonaro”, acusa Stédile

Atualizado em 10 de dezembro de 2018 às 8:31
João Pedro Stédile

Publicado originalmente no site Tutaméia

“A execução de dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Paraíba é resultado da propaganda de violência e impunidade que o capitão neofascista fez durante a campanha. Esperamos que a violência não prospere.”

Esse é a denúncia que faz João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, ao prestar solidariedade às famílias, amigos e companheiros de luta de José Bernardo da Silva, conhecido por Orlando, e Rodrigo Celestino, assassinados na noite de sábado (8) no Acampamento Dom José Maria Pires, em Alhandra (PB).

Presente ao velório de Orlando, a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, também apontou a responsabilidade do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, por incentivar o ódio e a perseguição aos movimentos populares:

“A execução dos dois companheiros do MST na Paraíba é muito grave. A violência contra lideranças sociais deve crescer no Brasil, mesmo antes da posse de Bolsonaro, que assumirá com as mãos sujas de sangue e a moral suja por mentiras e fraudes. Denunciaremos e resistiremos”,escreveu ela em mensagem publicada nas redes sociais.

De fato, ao longo da campanha eleitoral o então candidato Bolsonaro não perdeu oportunidade para ameaçar os movimentos sociais, tratando como crime as reivindicações populares e afirmando que os trabalhadores deveriam ser executados.

“Noque depender de mim, o agricultor, o homem do campo, vai apresentar como cartão de visita para o MST um cartucho 762. Àqueles que me questionam se eu quero que mate esses vagabundos, quero, sim. A propriedade privada numa democracia é sagrada. Invadiu, pau nele”, afirmou Bolsonaro em um comício realizado em Vitória.

No caso da Paraíba, quatro homens encapuzados, fortemente armados, invadiram a área ocupada pelos sem terra desde junho de 2017. Os assassinatos ocorreram por volta das 19h30 de sábado, mesmo dia em que, em São Paulo, centenas de pessoas participavam do Encontro dos Amigos do MST.

Orlando e Rodrigo eram coordenadores do acampamento Dom José Maria Pires, que fica numa área invadida em julho de 2017, pertencente à Fazenda Garapu, do grupo Santa Tereza. Cerca de 450 famílias vivem no local.

A direção do movimento na Paraíba distribuiu nota em que afirma: “Exigimos justiça com a punição dos culpados e acreditamos que lutar não é CRIME. Nestes tempos de angústia e de dúvidas sobre o futuro do Brasil, não podemos deixar os que detêm o poder político e econômico traçar o nosso destino. Portanto, continuamos reafirmando a luta em defesa da terra como central para garantir dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade”.

Raquel Dodge, procuradora-geral da República, também manifestou sua solidariedade às famílias e repúdio aos crimes, distribuindo nota em que exige a investigação das execuções e punição dos culpados.

No texto, que é também assinado por Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, e José Godoy, procurador regional dos Direitos do Cidadão, eles afirmam:

“A PGR, a PFDC e a PRDC/PB reiteram o compromisso com a proteção dos direitos humanos dos assentados e envidarão todos os esforços perante os órgãos de investigação para que a autoria do duplo assassinato seja esclarecida e os responsáveis punidos conforme a lei.”

O texto da nota também traz informações sobre a militância de Orlando, que tem um irmão sob proteção do governo e teve outro assassinado:

“Orlando era irmão do coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens na Paraíba (MAB/PB), Osvaldo Bernardo, que também integra a coordenação nacional do MAB. Desde o início da década, o Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, atua em defesa dos direitos humanos das pessoas atingidas pela construção da barragem de Acauã, construída no final dos anos 90, no Agreste paraibano.

“Orlando é o segundo irmão de Osvaldo Bernardo a ser morto por execução. O primeiro, Odilon Bernardo da Silva Filho, que também integrava a coordenação do MAB de Acauã, foi assassinado em 2009, aos 33 anos, numa emboscada, à noite, quando voltava para sua residência, depois de um encontro com amigos e militantes do MAB.

“Após a morte de Odilon, Osvaldo entrou para o programa de proteção aos defensores dos direitos humanos. Agora, a dois dias da comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), mais um irmão de Osvaldo é assassinado, fato que preocupa diante do contexto sombrio de violência contra os movimentos sociais e demonstra quão distante ainda estamos da efetivação dos direitos garantidos pela Declaração.”

Centenas de pessoas participaram do velório de Orlando, na tarde de hoje no assentamento Zumbi dos Palmares, município de Mari (PB).

A região é marcada por conflitos, há muito tempo. Nas décadas de 1950 e 1960, as Ligas Camponesas tiveram forte atuação na Paraíba.

A própria cidade de Mari traz marcas dessa luta na sua história,conforme lembrou o professor Marco Antonio Mitidiero Jr., em entrevista ao jornal “Brasil de Fato”. Segundo ele, “o acampamento Antas está na beira da estrada há 20 anos e fica a cerca de 500 metros da casa onde viveram João Pedro e Elisabeth Teixeira, das Ligas Camponesas” –João Pedro Teixeira foi assassinado em 1962. Décadas mais tarde, Maria Margarida Alves também seria assassinada na Paraíba, em 1983.

Alhandra, local dos assassinatos deste sábado, fica na Zona da Mata, em área marcada pela violência no campo, segundo professor. O deputado e padre Luiz Couto, do PT, por exemplo, vive sob proteção da Polícia Federal há mais de dez  anos por ter denunciado a ação de pistoleiros no local.

“É uma região violenta e muito cobiçada por conta da cana-de-açúcar e pelo minério de calcário”, diz Mitidiero Jr.