Ele é filho de um ferroviário italiano, jesuíta, acha que casamento gay é coisa do diabo e surpreendeu a todos (menos, claro, aos argentinos).
“Rezem por mim”, disse o argentino Jorge Mario Bergoglio, aclamado papa Francisco na quarta-feira (13), no balcão principal da Basílica de São Pedro. O primeiro papa sul-americano da história e o primeiro não-europeu em 1282 anos é um jesuíta nascido em Buenos Aires. Aos 76, filho de um ferroviário italiano, Bergoglio fala fluentemente italiano e alemão (além, obviamente, de espanhol), é ex-químico e não tem um pulmão há mais de 50 anos (retirado por causa de uma infecção). Sua eleição foi “uma jogada brilhante num momento de crise”, segundo Marco Politi, um dos mais celebrados vaticanistas do mundo.
É tido como um “amigo dos pobres”, de acordo com a imprensa argentina. Ao ser feito cardeal, em 2001, sugeriu às pessoas que, ao invés de celebrar com ele em Roma, gastassem o dinheiro em obras de caridade. Vivia num apartamento simples e cozinhava sua própria comida. Dispensou carro e motorista. Embora
“Nós vivemos na parte mais desigual do mundo, que mais cresceu e menos reduziu a miséria”, disse num encontro de bispos em 2007. “A distribuição injusta de bens persiste, criando uma situação de pecado que grita aos céus e limita a possibilidade de uma vida plena para muitos de nossos irmãos”. Embora a Companhia de Jesus seja a maior ordem católica, com 19 mil membros, ela nunca havia feito um pontífice.
Sua noção de justiça social, porém, não significa que seja um reformador. Distanciou-se da Teologia da Libertação no começo da carreira. É membro do movimento conservador Comunhão e Libertação, fundado em 1954, que teve entre suas fileiras os ex-papas João Paulo II e Bento XVI e cuja influência no Vaticano é grande.
As opiniões de Bergoglio sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo, preservativos e aborto são as da igreja: no passarán. Foi criticado ao afirmar que a adoção de crianças por casais gays era uma forma de discriminação contra elas. Mas demonstrou, ao mesmo tempo, compaixão por vítimas da AIDS, visitando hospitais e beijando os pés de alguns doentes. Repreendeu, também, padres que se recusam a batizar filhos de mães solteiras.
Quando seu país aprovou o casamento homossexual, escreveu uma carta aberta: “Não sejamos ingênuos, não estamos falando de uma simples batalha política; é um desejo de destruir os planos de Deus. Não estamos falando de uma mera lei, mas de uma maquinação do Pai da Mentira, que quer confundir e enganar os filhos de Deus”.
(O Pai da Mentira, você sabe, é o diabo)
A relação com o governo argentino é conflituosa. O falecido ex-presidente Néstor Kirchner, marido da atual presidenta Cristina, o definiu como “o verdadeiro representante da oposição”. Há uma controvérsia sobre suas atividades durante a ditadura. Em 2005, uma entidade de direitos humanos acusou Bergoglio de conspirar com os militares para sequestrar dois jesuítas. O caso ocorreu em 1976. Bergoglio teria renunciado à chefia da Companhia de Jesus por causa de conflitos internos relativos à atuação dela diante do regime. Nunca se apresentou nenhuma prova contra ele.
Bergoglio já era papabile desde a morte de João Paulo II. Teria ficado em segundo lugar no conclave que escolheu Ratzinger em 2005. Diz a lenda que perdeu por muito pouco, depois de implorar aos cardeais, chorando, que não votassem nele.
Se um argentino foi capaz disso, tudo é possível.