A reforma trabalhista arrombou com pé de cabra a porta dos direitos dos trabalhadores. E uma de suas maiores violências foi a aprovação do princípio que prioriza ‘o negociado sobre o legislado’.
Era óbvio ululante que isso daria poder de fogo ainda maior para o empresariado. Entre patrões e empregados, alguém acredita que haja paridade de negociação?
Pois uma recente ‘negociação’ abriu um precedente dantesco. Um acordo firmado entre a empresa Vale e funcionários excluiu o pagamento pelo tempo gasto no trajeto entre a residência e o local de trabalho.
O chamado ‘in itinere’, que é quando o trabalhador está no itinerário casa/trabalho/casa constava na CLT. E tinha o porque de ali estar, afinal de contas, em locais distantes como mineradoras (caso da Vale no Pará), os funcionários podem passar de duas a três horas nesse deslocamento.
No entanto, a reforma trabalhista ceifou o ‘in itinere’, aboliu-o definitivamente. O que resta ao trabalhador com direitos lhe são arrancados? ‘Concordar com acordos’, com o perdão da redundância.
O acordo fez uma proposta capciosa. A Vale não paga mais por esse tempo em que o trabalhador já está dedicado e em trânsito, mas haverá um ‘bônus por assiduidade’. Trocar um direito por bônus é malandragem pura. Ninguém é obrigado a bonificar nada.
Sindicatos do Pará calculam que muitos trabalhadores da Vale (e todos os que forem obrigados a engolir a amigável negociação) perderão de 9% a 30% de seus vencimentos.
Agora não dá mais para chorar. O acordo passou, mediante mediação do Tribunal Superior do Trabalho.
Curioso isso.
Se o ‘negociado vale sobre o legislado’, há que se perguntar por que foi preciso então a mediação do TST. E mais: quem irá fazer essas mediações a partir de agora, com o ministério do trabalho todo desmembrado pelo novo governo e com sindicatos à míngua?
O trabalhador de centros urbanos não tem esse valor acrescido no salário por, supostamente, não dispensar tanto tempo no deslocamento entre residência e local de trabalho (mas se algo lhe acontecer nesse trajeto, a empresa é responsável, o que poucas pessoas parecem ter conhecimento).
Ironicamente, a lei não previu que nas grandes cidades tornar-se-ia possível – aliás bem comum – o empregado ficar de 2 a 3 horas no transporte público. Portanto, se a lei precisasse ser revista, talvez fosse no sentido inverso. Em vez de cortar o ‘in itinere’ do campo, seria justo acrescentá-lo nas cidades.
O que um trabalhador das grandes cidades recebe é o vale-transporte, algo que, pelo andar da carruagem, pode estar com os dias contados. “Direito adquirido não pode ser retirado”? Não podia né, meu caro, o ‘in itinere’ evaporou.
Como o ‘golpeachment’ (na ótima definição do sociólogo Jessé Souza) deu ruim e a economia afundou sob Michel Miguel Temer, milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro pela perspectiva da agenda liberal de Paulo Guedes. Só uma população meio desesperada meio desinformada concorda com as reformas suicidas que vieram após puxarem o tapete de Dilma Rousseff.
O Ibope revelou otimismo da população em relação ao próximo governo. 64% dos brasileiros acreditando que ele será bom ou ótimo. É um dado curioso, sobretudo se olhado em paralelo a um outro, que indica que neste ano de 2018, mais brasileiros foram embora do país do que imigrantes que entraram. Nem a chegada dos venezuelanos alterou a balança. Isso é otimismo?