2019: o pior ainda está por vir. Por Hermes C. Fernandes

Atualizado em 28 de dezembro de 2018 às 7:13

Publicado originalmente no blog do autor

POR HERMES C. FERNANDES

“O melhor de Deus ainda está por vir!” é o brado de muitos pregadores no culto de Réveillon. Quem não almejaria viver um tempo de vitórias e realizações? Não é à toa que tantos votos são feitos na reta final de cada ano no afã de que o vindouro não seja uma mera repetição dos anteriores. Porém, ano após ano, a fórmula se repete exaustivamente e a vida segue seu fluxo inexorável, da maneira como deve ser, alternando entre altos e baixos, vitórias e fracassos nem sempre evitáveis.

Haveria alguma garantia de que a presença de Deus resultaria em sucessivas vitórias em todas as áreas de nossa vida? Romper o ano novo na igreja garantiria que durante o transcorrer de 2019 não correríamos o risco de amargar um desemprego, um divórcio, uma dívida, uma enfermidade?

Há um episódio bíblico que talvez nos ajude a encontrar resposta para isso. A narrativa começa afirmando que “veio a palavra de Samuel a todo o Israel; e Israel saiu à peleja contra os filisteus e acampou-se junto a Ebenézer; e os filisteus se acamparam junto a Afeque” (1 Samuel 4:1).

Repare que tal iniciativa foi tomada com base em uma palavra proferida pelo profeta. Portanto, eles estavam sob a orientação de Deus. Como se não bastasse, escolheram acampar em um lugar chamado Ebenézer, que significa “Até aqui nos ajudou o Senhor.” Não creio que tal escolha tenha sido aleatória. Israel vinha de sucessivas campanhas militares bem-sucedidas desde os tempos de Josué. Se Deus os havia ajudado até ali, era de se esperar que seguisse ajudando-os ininterruptamente. É razoável que nos fiemos em experiências exitosas obtidas ao longo de nossa jornada. Assim como um time de futebol que segue ileso no campeonato, entramos em campo de salto alto, subestimando o adversário. Afinal, as estatísticas nos são favoráveis. Porém, o placar ainda está em aberto. Tudo pode acontecer.

Para a surpresa dos israelitas, os filisteus venceram a batalha, ceifando a vida de pelo menos quatro mil homens.

“O que terá saído errado?”, indagaram.  Por que Deus os metera naquela furada? Por que permitiu que Seu povo passasse tão grande vexame?

Alguém, então, teve a inusitada ideia de voltarem ao campo de batalha, mas desta vez, acompanhados da Arca da Aliança, a mesma que acompanhou o exército de Israel em tantas outras investidas militares.

A Arca da Aliança era a representação física da presença de Deus no meio do Seu povo. Mas somente sacerdotes poderiam carrega-la. Por isso, Eli, o Sumo-sacerdote de Israel, destacou seus dois filhos, Fineias e Hofni para conduzir o utensílio sagrado no campo de batalha. Quando a Arca chegou ao arraial israelita, a euforia foi tamanha, que os gritos dos soldados fizeram tremer a terra. “E os filisteus, ouvindo a voz de júbilo, disseram: Que voz de grande júbilo é esta no arraial dos hebreus? Então souberam que a arca do Senhor era vinda ao arraial. Por isso os filisteus se atemorizaram, porque diziam: Deus veio ao arraial. E diziam mais: Ai de nós! Tal nunca jamais sucedeu antes. Ai de nós! Quem nos livrará da mão desses grandiosos deuses? Estes são os deuses que feriram aos egípcios com todas as pragas junto ao deserto. Esforçai-vos, e sede homens, ó filisteus, para que porventura não venhais a servir aos hebreus, como eles serviram a vós; sede, pois, homens, e pelejai” (1 Samuel 4:6-9).

De fato, os israelitas estavam com a faca e o queijo na mão. O efeito psicológico que a presença da Arca causou nos inimigos foi devastador.

Mesmo apavorados, os filisteus não entregaram os pontos, pois reconheciam que toda a opressão que fizeram aos israelitas voltaria contra eles como um bumerangue caso fossem derrotados. Resultado: os filisteus venceram novamente. E desta vez, sua vitória foi ainda mais esmagadora, ceifando a vida de trinta mil homens.

Como assim? E a Arca de Deus? E toda aquela euforia dos soldados israelitas? Como se não fosse suficiente a épica derrota, algo ainda pior lhes sucedera: A Arca da Aliança foi tomada pelos filisteus. Para se ter uma ideia do quanto isso  era considerado grave, quando a notícia chegou aos ouvidos de Eli, o sumo-sacerdote caiu de seu assento, quebrou o pescoço e morreu na hora. Não pelo fato de Israel ter perdido a batalha, nem mesmo pela morte de seus dois filhos responsáveis pela segurança da Arca, mas por ela ter sido levada por seus adversários. Uma de suas noras estava grávida e ao ouvir a notícia, deu a luz. Não resistindo às fortes dores, antes que morresse, deixou escapar de seus lábios o nome que queria dar ao seu filho: ICABODE, que significa “Foi-se a glória de Israel.” Ela se importou mais com a Arca roubada do que com a sua repentina viuvez.

Vivemos hoje sob a égide da Nova Aliança em que não há mais utensílios sagrados, nem templos, nem ritos, nem sacrifícios a serem feitos. Tudo isso era sombra do que haveria de se cumprir em Cristo. Ele é a nossa Arca da Aliança, e nos afiançou que estaria conosco todos os dias até a consumação dos séculos. Todavia, Sua presença entre nós não é a garantia de que nunca amargaremos uma derrota, uma injustiça, uma adversidade. Pelo contrário, Ele nos deixou claro que no mundo teríamos aflições, mas que isso jamais deveria nos tirar o ânimo.

Sempre que as coisas desandam, buscamos encontrar uma razão, uma explicação que aplaque nossa frustração e apazigue nossa consciência. “Onde foi que errei?” é a pergunta que nos persegue, revelando que ainda somos reféns de uma mentalidade legalista e moralista, baseada na lei da causa e efeito.

A verdade é que nem sempre encontraremos uma boa razão que justifique nossas derrotas. Talvez pelo fato de que o que realmente importa não seja a razão em si, mas o propósito. E este, por sua vez, nem sempre é óbvio, tampouco nos é revelado durante o transcorrer da situação.  Na maioria das vezes, só entendemos o propósito em retrospectiva, isto é, depois do fato consumado.

Enquanto os israelitas digeriam o amargo sabor da derrota, longe dali algo surpreendente acontecia, mas que escapava totalmente ao seu conhecimento.

Atribuindo ao seu próprio deus a vitória conquistada, os filisteus tomaram a Arca e a puseram no templo dedicado a Dagom. De manhã cedo, quando os sacerdotes de Dagom vieram prestar-lhe culto, depararam-se com sua imagem caída com o rosto em terra, como se estivesse prostrada diante da Arca de Deus. Assustados, ergueram a Dagom e o puseram novamente em seu lugar. “E, levantando-se de madrugada, no dia seguinte, pela manhã, eis que Dagom jazia caído com o rosto em terra diante da arca do Senhor; e a cabeça de Dagom e ambas as palmas das suas mãos estavam cortadas sobre o limiar; somente o tronco ficou a Dagom” (1 Samuel 5:2-4).

Metade homem, metade peixe, Dagom era uma das mais perversas divindades do panteão cananeu, que dentre outras coisas, exigia o sacrifício de crianças. Com a queda da imagem, restou-lhe apenas a calda de peixe. Sua cabeça e seus membros superiores foram espatifados. O que havia de humano nele (pelo menos do ponto de vista morfológico) foi-lhe decepado, sobrando-lhe apenas o que lhe havia de irracional.

O Deus de Israel permitira que o Seu povo amargasse aquela derrota para que Sua Arca fosse introduzida no templo daquela divindade perversa, e assim, os filisteus reconhecessem e temessem o Seu nome, deixando de oprimir o Seu povo. O que para Israel era tão somente uma questão militar, para Deus a batalha era de ordem espiritual.

Dagom representava a opressão que os filisteus exerciam sobre Israel, assim como os deuses egípcios ao longo de mais de quatrocentos anos de escravidão. A prostração de Dagom ante a Arca da Aliança, bem como seu esfacelamento, representavam a rendição dos opressores à causa dos oprimidos.

Mas não ficou só nisso. Seus adoradores, habitantes de Asdode, foram acometidos de hemorroidas. Se o seu deus foi atingido na parte superior de seu corpo, seu povo foi atingido na parte inferior, mas precisamente nas partes íntimas, justamente a parte onde Dagom foi poupado. Por razões óbvias, peixes não podem ter hemorroidas…

Desorientados, os filisteus enviaram a Arca para a cidade de Gate e depois para Ecrom, e o fenômeno se repetiu entre os seus moradores. Enquanto a Arca de Deus foi joguete entre os filisteus, o juízo divino os acompanhou, não só com hemorroidas, mas também com uma súbita invasão de ratos que representavam o que eles haviam se tornado para os israelitas: devoradores.

Só então, eles concluíram que o Deus de Israel os estava punindo pela opressão e exploração feitas ao povo de Israel, e decidiram que a Arca da Aliança deveria ser devolvida ao seu lugar (1 Samuel 5:7-12). E para tal, eles teriam que devolvê-la juntamente com um cofre carregado de ouro no formato das pragas que lhes acometeram: ratos e hemorroidas! Por mais cômico que nos possa soar, esta foi a maneira de fazer com que o produto da exploração a que os israelitas foram submetidos fosse-lhes devolvido.

A vitória do opressor poderá se transformar em seu pior pesadelo, sobretudo quando esta se dá de maneira injusta, calçada na mentira e com vista a perpetuar a exploração dos mais fracos e vulneráveis. Tudo o que foi tomado do oprimido, agora clama aos céus por justiça, anelando retornar a quem de direito. O fruto da extorsão deve voltar para o seu lugar de origem. Por isso, vemos o corrupto Zaqueu prometendo devolver quadruplicadamente tudo o que havia extorquido de seu próprio povo enquanto cobrava impostos em nome de Roma. Seu encontro com Cristo levou-o a isso.

O que era Dagom nos dias de Samuel, Mamon era nos dias de Jesus. Razão pela qual Jesus o denunciou como principal rival do reino de Deus. “Ninguém pode servir a Deus e as riquezas (Mamon)”, disse o Mestre Galileu. Interessante frisar que Jesus nunca enxergou o Estado como o grande inimigo, e sim, o capital. Ele não disse que não se podia servir a Deus e a César. Pelo contrário, Ele disse que deveríamos dar a Deus o que era de Deus e a César o que era de César. O maior ídolo contra o qual lutamos em nossos dias segue sendo o dinheiro. De acordo com Paulo, “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.” Veja: não é o sexo, nem a indústria pornográfica, nem as outras religiões, nem mesmo as drogas, mas o amor ao dinheiro. Por causa dele, muitos se desviaram da fé.

O que vai garantir que sejamos vitoriosos nessa guerra espiritual não é um retumbante sucesso financeiro ou coisa parecida, mas uma fidelidade à toda prova. Nossa fidelidade e obediência nos porão frente a frente com Mamon, assim como a Arca de Deus fora posta frente a frente com Dagon. É lá fora, no terreno do inimigo, que a vitória se dá. É quando dizemos não às propostas de Mamon. É quando nos tornamos numa ferramenta para emperrar este sistema de exploração e opressão.

Aos olhos do mundo, a cruz foi um grandioso fracasso. Jesus não parecia ser quem dizia ser. Ele não estava preocupado em provar nada a quem quer que fosse. Mas quando Ele deu Seu último suspiro, Sua alma desceu ao inferno. Seus pés pisaram o terreno do inimigo. O império das trevas foi desbaratado. Principados e potestades foram depostos e despojados.

Não se preocupe com a conclusão precipitada a que as pessoas possam chegar a seu respeito devido ao momento que você está vivendo atualmente. Lembre-se: Deus está trabalhando para que Seus propósitos prevaleçam em sua vida. Não ceda a oferta alguma. Não se renda às propostas indecorosas deste mundo. Siga fiel. Siga obediente. Siga firme. Vai que Deus pretenda lhe infiltrar em algum “templo de Dagon” como fez com a Arca… Vai que tudo o que você está vivendo hoje seja com o propósito de levá-lo a um lugar em que você jamais chegaria se não passasse por isso. Se Paulo e Silas não houvessem sido presos injustamente em Filipos, a igreja não teria nascido na casa do carcereiro que por pouco não tirou sua própria vida. Se Paulo não houvesse sofrido um naufrágio em sua viagem para Roma, os moradores da Ilha de Malta não teriam tido a oportunidade de conhecer o evangelho. Portanto, em vez de perguntar “por quê?”, pergunte “por quem?” e “para quê?

Caso você experimente o pior momento de sua história ao longo do novo ano, saiba que após a tempestade, sempre vem a bonança. Ainda que passe pelo vale da sombra da morte, o bom pastor o conduzirá aos pastos verdejantes e às águas tranquilas. O pior pode até vir, mas o melhor está a caminho. E cá entre nós, se Paulo está certo ao dizer que a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria dos homens e a Sua fraqueza mais forte que a força humana, é lícito crer que o pior de Deus ainda é infinitamente melhor que o melhor dos homens.