Papéis vazados pelo Wikileaks revelam que Washington teme perder controle sobre ‘quintal’.
O texto abaixo foi publicado originalmente pelo site Green Left.
Dezenas de milhares de haitianos espontaneamente saíram às ruas da capital Porto Príncipe, na manhã de 12 de março de 2007. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, acabara de chegar ao Haiti.
Uma multidão, gritando e cantando com alegria, se juntou a ele ao lado da comitiva do presidente do Haiti, René Préval, a caminho do Palácio Nacional (mais tarde destruído no terremoto de 2010).
Lá, Chávez anunciou que a Venezuela iria ajudar a pobre ilha caribenha com a construção de usinas de energia, de aeroportos, com o fornecimento de caminhões de lixo e de equipes médicas.
Mas a peça central dos presentes de Chávez ao Haiti foi 14 000 barris de petróleo por dia. Foi uma dádiva de Deus para um país assolado por apagões e falta de energia há décadas.
O petróleo era parte de um acordo que a PetroCaribe Venezuela assinara com o Haiti um ano antes. O Haiti teve de pagar apenas 60%. Os 40% restantes puderam ser pagos ao longo de 25 anos a juros de 1%.
Com iniciativas como aquela, a Venezuela fornece agora mais de 250 000 barris por dia, a preços drasticamente baixos, a 17 países da América Central e do Caribe. O custo do programa é estimado em 5 bilhões de dólares ao ano.
Caracas está ajudando a maioria das economias do Caribe e da América Central. Mas os Estados Unidos não estão felizes com isso, pois pela primeira vez em mais de um século é desafiada sua hegemonia em seu “quintal”. Vazamentos do Wikileaks revelam a hostilidade de Washington à PetroCaribe.
Os papéis vazados mostram que a então embaixadora dos Estados Unidos no Haiti, Janet Sanderson, repreendeu Preval por “dar espaço para os slogans antiamericanos de Chávez” durante sua visita de 2007.
Como mostram os vazamentos, Janet não estava sozinha entre os diplomatas americanos incomodados com a PetroCaribe. “É incrível que estejamos sendo superados em ajuda externa por dois países pobres: Cuba e Venezuela”, observou o embaixador dos EUA no Uruguai Frank Baxter em 2007. “Oferecemos um modesto programa Fulbright; eles oferecem milhares de bolsas de estudos para médicos. Oferecemos meia dúzia de programas breves para “futuros líderes”; eles oferecem milhares de cirurgias oftalmológicas para as pessoas pobres. Oferecemos acordos de livre comércio complexos para o futuro; eles oferecem petróleo hoje. Não é de surpreender que Chávez esteja ganhando amigos e influenciando pessoas.”
Com a morte de Chávez, é previsível que a pressão de Washington sobre a Venezuela vá aumentar dramaticamente. Os americanos vão tentar tirar proveito da vulnerabilidade do governo bolivariano durante a transição de poder.
O presidente interino, Nicolas Maduro, já fez soar o alarme. Maduro anunciou em rede nacional “que o adido da embaixada americana estava sendo expulso por se reunir com militares para desestabilizar o país”, informou a Associated Press. Um adido da Força Aérea também foi expulso.
Em suma, assim como o imperativo de assegurar petróleo levou os Estados Unidos a múltiplas guerras, golpes e intrigas no Oriente Médio nos últimos 60 anos, agora deve conduzir a um novo confronto importante na América Latina. Com a morte de Chávez, Washington vê uma oportunidade há muito esperada para reverter a Revolução Bolivariana e programas como os da PetroCaribe.
Nos últimos anos, Chávez nacionalizou empreendimento de dezenas de empresas, incluídas Exxon Mobil, Chevron Texaco e outras grandes corporações americanas. O futuro das reservas de hidrocarbonetos da Venezuela, as maiores do mundo, em breve deve ser um tema quente em disputas políticas e econômicas no hemisfério.
No caso do Haiti, foi o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide quem primeiro desafiou o domínio americano na região depois de vencer as eleições de dezembro de 1990. Mas ele foi derrubado por um golpe em setembro de 1991.
Chávez, eleito em 1998, foi o próximo líder da América Latina a enfrentar os americanos. Os Estados Unidos tentaram derrubá-lo em abril de 2002, mas o povo venezuelano devolveu Chávez ao poder em dois dias.
Devido a sua perspicácia estratégica, a seu apoio popular, e à boa vontade criada com a PetroCaribe, o prestígio de Chávez cresceu na Venezuela e em várias partes do mundo em seus 13 anos no poder. Sua morte trouxe uma enorme maré de luto na América Latina.
Os elogios a Chávez se multiplicaram. Uma declaração feita em janeiro pelo antigo procurador geral dos Estados Unidos, Ramsey Clark, que conhecia pessoalmente e trabalhou com Chávez, parece presciente. “Na minha opinião, a história julgará as contribuições de Hugo Chávez para a América Latina como maiores do que as de Simon Bolívar.”