Fernando Henrique e a manifestação tardia: governo Bolsonaro é anacrônico e reacionário

Atualizado em 6 de janeiro de 2019 às 7:41
Fernando Henrique Cardoso. Foto: Reprodução/YouTube/Jovem Pan

Este é o trecho final do artigo publicado por Fernando Henrique Cardoso no jornal El País. Ele faz alguns alertas importantes, mas um pouco tarde. O ex-presidente poderia ter se posicionado no segundo turno das eleições. Pelo escreve, sabia o desastre que seria o governo Bolsonaro. Não precisava nem escrever. Entre Bolsonaro e Haddad, não havia dúvida para a parcela civilizada do país sobre quem escolher. Segue o que escreveu Fernando Henrique:

O Brasil tem um novo governo. Fala-se muito de que o país, na esteira da onda conservadora no mundo, virou à direita. Será este o sinal enviado pelo eleitorado, que em sua maioria votou por repúdio ao PT, à falta de segurança pública e à podridão política, sem, entretanto, algum conteúdo ideológico definido? Se o novo Governo deslizar para a direita, será menos porque o eleitorado assim decidiu e mais porque os vencedores assim pensam. Pensam? Depende: na economia o Governo é liberal, nos costumes, reacionário e, quanto à visão do mundo, basicamente anacrônico, a julgar pelo que disseram alguns de seus membros. Dos militares, pouco ou nada se ouviu a respeito. Subscreverão as teses do futuro chanceler? Ou a norma de que sem objetivos e sem preparação, não há guerra a ser ganha?

Para concluir, diante do quadro internacional, quais devem ser os objetivos básicos de um país como o Brasil, grande, populoso, diverso e excêntrico, isto é, distante dos polos do conflito? Acelerar o crescimento da economia, em bases socioambientais sustentáveis, para dar melhores condições de vida ao povo, preservar o acervo de boas relações que o país construiu ao longo do tempo, afirmar (e praticar internamente) valores que nos são caros, a começar pela democracia. Para isso, por que tomar partido diante de um eventual choque de interesses entre a China e os Estados Unidos ou de quem quer que seja? Por que tomar partido nas disputas que dividem os Estados Unidos e a Europa? Melhor será, penso, cuidar de manter nossa influência na América do Sul, região a que pertencemos e, sem entrar em briga graúda, participar mais amplamente dos fluxos globais de comércio, informação, criatividade e desenvolvimento para obter a melhor inserção possível no mundo.

É no mínimo anacrônico pensar que a disputa por poder e influência no sistema internacional se dê entre gladiadores comunistas e capitalistas, cruzados da fé cristã contra cosmopolitas sem fé e sem pátria. A luta real é por mais ciência e tecnologia, para melhorar a qualidade dos empregos e da vida em sociedades que não devem nem podem mais se encerrar sobre si mesmas nem agarrar-se dogmaticamente a identidades étnicas, religiosas, etc. fechadas e excludentes. A ideologia que se insinua é tão distante dos interesses permanentes de um país como o Brasil quanto o foi a que ela pretende substituir.

Por isso espero que o novo Governo encontre rumos melhores do que os que, com estridência, apontam alguns de seus membros. À oposição cabe criticar impulsos ideológicos, alertar para os riscos de alinhamentos automáticos e contribuir para que os interesses reais do Brasil e de sua gente prevaleçam na definição e implementação das políticas, externa e interna.