Publicado originalmente no Blog do Kennedy Alencar:
O presidente Jair Bolsonaro deve satisfações à opinião pública a respeito do trabalho de sua ex-assessora parlamentar Nathalia Queiroz na época em que ele exerceu o mandato de deputado federal.
Reportagem de Rodrigo Serpa, da rádio CBN, revelou que, no período em que Nathalia ficou empregada no gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados, ela teve confirmadas a folha de ponto e a jornada semanal de trabalho de 40 horas, sem nenhuma falta ou licença.
A “Folha de S.Paulo” mostrou que Nathalia Queiroz trabalhava no Rio de Janeiro como personal trainer. Na época em que essa informação veio à tona, Bolsonaro disse que seu chefe de gabinete deveria ser questionado sobre o trabalho da ex-assessora.
Ora, todo político deve prestar contas ao público. A resposta de Bolsonaro é insatisfatória. Ele precisa comprovar o trabalho feito pela ex-assessora. Ela também deve fazê-lo.
Esse caso contradiz o discurso de renovação ética e de combate à corrupção feito por Bolsonaro na campanha e neste começo de governo. O ministro da Justiça, Sergio Moro, por todo o trabalho desenvolvido na Lava Jato, deveria ser o primeiro a querer ver esclarecidas as atividades de Nathalia no gabinete de Bolsonaro.
O padrão Lava Jato deve valer para todos. Se a Lava Jato acha que Lula sabia o que faziam ex-diretores da Petrobras acusados e condenados por corrupção, um ex-deputado federal deveria ser capaz de explicar ao distinto público as atividades prestadas por uma ex-assessora parlamentar em outra cidade e com outro trabalho.
Nathalia ficou lotada no gabinete de Jair Bolsonaro entre dezembro de 2016 e outubro de 2018. Ela é filha de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro, eleito senador em outubro. O Coaf detectou movimentação financeira suspeita de Fabrício Queiroz no período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. O Ministério Público do Rio de Janeiro investiga Queiroz.
Deputados da oposição discutem uma forma de fazer uma apuração federal porque há depósitos de Nathalia na conta de Queiroz. Eles desejam saber se houve movimentação da filha para o pai no período investigado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
De acordo com o artigo 86 da Constituição Federal, no parágrafo 4º, “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
No artigo 85, há previsão de crime de responsabilidade caso o presidente impeça o cumprimento das leis e das decisões judiciais (inciso 7).
Nathalia Queiroz foi demitida do gabinete de Jair Bolsonaro no dia 15 de outubro. No mesmo dia, Fabrício Queiroz perdeu o emprego no gabinete de Flávio Bolsonaro. Logo depois, houve investigação de deputados estaduais do Rio.
Nas conversas reservadas de deputados federais da oposição, surgiu a suspeita de que essas demissões teriam sido motivadas por um aviso a respeito da movimentação financeira inusual de Fabrício Queiroz, o que poderia causar dano eleitoral a Bolsonaro e seu filho.
Nesse contexto, dizem parlamentares da oposição, seria possível falar em obstrução de Justiça e relacionar tal fato ao atual mandato de Jair Bolsonaro. Ou seja, buscar uma forma de viabilizar a investigação na Procuradoria Geral da República por crime comum ou no Congresso por crime de responsabilidade.
Se houver o entendimento de que um eventual crime tenha sido um ato estranho ao exercício das funções presidenciais, Bolsonaro não poderia ser denunciado pela Procuradoria Geral da República nem responder a eventual processo de impeachment.
Mas, recentemente, prevaleceu a interpretação de que um presidente pode ser investigado durante o seu mandato por eventual crime que não tenha relação com o exercício da função.
Bolsonaro está no começo de governo. Tem força política. A oposição terá dificuldade para viabilizar uma investigação, mas desdobramentos do caso podem ter custo político alto para Bolsonaro, sobretudo se houver desgaste prematuro de sua administração.