Do ponto de vista simbólico, ela não poderia ter sido pior.
Era um congresso da esquerda, e a garota notou que as pessoas tinham chegado em carrões ao hotel de cinco estrelas, caro e luxuoso.
“É isso que esperam de nós?”, ela disse. Ela se referia às pessoas que, em várias partes da Europa, estavam e estão fazendo protestos contra o estado de coisas.
Havia, ali naquele simpósio solene, uma desconexão entre a esquerda e a voz rouca das ruas, como notou a jovem.
Teve imensa repercussão, entre os europeus, a fala. O vídeo foi um sucesso instantâneo no YouTube. Ela falou o óbvio, mas o óbvio frequentemente é ignorado.
A Pepe Mujica, o frugal presidente uruguaio, não se aplica a reprimenda da garota espanhola.
Mujica é altamente inspirador, e não apenas para a esquerda. Seu despojamento, sua simplicidade captam o zeitgeist, o espírito do tempo.
Dias atrás, soubemos que Mujica decidira não ir à missa de inauguração do papado de Francisco pela razão mais óbvia: é ateu. Mandou o vice, católico.
Mujica dispensou o palacete presidencial, e vive em sua casa modesta.
Todas essas coisas – a intervenção da espanholinha, a personalidade de Mujica – me vieram à cabeça quando li que Lula fora à África com as despesas pagas por empreiteiras.
Entendo as empreiteiras: elas estão interessadas em fazer negócios na África.
Mas não entendo Lula.
Por que, se era importante ir à África por razões humanitárias e de solidariedade para com o sofrido povo africano, ele não pagou as despesas ele mesmo? Dinheiro não falta: Lula faz palestras, como tantos ex-presidentes, a 200 mil reais de cachê.
Era apenas lobby para favorecer as empreiteiras? Para que se prestar a esse papel de mascate de luxo?
Do ponto de vista de simbologia a mensagem é altamente negativa.
Daí minha lembrança de Mujica: a simbologia conta. Associamos – se com acerto ou não é outra história – Zé Dirceu a vinhos caros, vida faustosa, gravatas finas e implantes de cabelo. Um Mujica às avessas, portanto.
Não tenho dúvida de quanto essa imagem – mais uma vez, ela pode ser real ou meramente uma ilusão — contribuiu para o empenho da mídia em demonizá-lo com propósitos nada edificantes.
Mesmo nas palestras milionárias: alguém imagina Mujica ocupando seu tempo, pós-presidência, em acumular moedas numa atividade tão improdutiva e entediante?
Tony Blair, um criminoso de guerra, fez fortuna com isso. Fernando Henrique Cardoso largou o PSDB nas mãos destruidoras de Serra para cumprir uma agenda extenuantes de palestras milionárias. Reagan e Clinton também foram campeões de palestras depois da Casa Branca.
Mas Mujica não dá para ver no mesmo circuito.
Uma vez falei disso, e algumas pessoas levantaram uma série de argumentos a favor das palestras de Lula.
Bem, uma das vantagens seria permitir que ele viajasse por conta própria. Quanto pode custar uma viagem para a África? Chuto que um quarto de palestra – 15 minutos — cubra todas as despesas e ainda permita boas gorjetas.
A espanhola indignada bateria palmas para Mujica, pelo exemplo que ele transmite sem fazer pregação.
Mas, se soubesse da viagem financiada de Lula à África, teria um acesso, mais um, de indignação.
Se você quer mostrar que sua proposta é diferente da dos outros você tem, também, que agir de forma diferente.
Mujica faz isso.