Até um programa assemelhado ao Bolsa Família os mexicanos estão fazendo.
É preciso chegar até aqui, na Cidade do México, para entender como uma metrópole com fama de ser uma das mais poluídas e inseguras do mundo consegue atrair anualmente 12 milhões de visitantes, entre nacionais e estrangeiros, mais que o dobro dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil em igual período. A soma de uma forte identidade histórica com uma modernidade esfuziante e mais uma excelente infraestrutura de serviços e preços acessíveis estão na base desse sucesso.
A Cidade do México é Tenochtitlán, fundada em 1325 e coração do império dos mexicas, a confederação asteca. Seu centro administrativo e comercial ainda é o mesmo da época de Montezuma II, o imperador defenestrado pelo conquistador espanhol Hernan Cortés, em 1520. Seu entorno é rico de fragmentos históricos e arqueológicos, como as impressionantes pirâmides de Teotihuacan, a cidade misteriosa erguida no ano 100 a.C. e abandonada por seus habitantes desconhecidos por volta do ano 750.
Ao mesmo tempo, a capital do México é um exemplo de moderna arquitetura urbanística funcional, com avenidas largas e bem traçadas, edifícios de linhas futuristas, uma centena de museus e a quarta concentração de teatros do mundo. A cidade é jardim e galeria de arte a céu aberto, graças aos seus muitos parques e esculturas que contam a história tumultuada da nação mexicana, repleta de perdas – primeiro para os espanhóis, depois para os Estados Unidos, a quem cedeu parte de seu território.
Sim, o México é complexo, contraditório e excitante. Mas, ao escalar a portentosa pirâmide da Lua, em Teotihuacan, preferi meditar sobre o ocaso asteca em meio a um episódio de perda de identidade.
Quando Hernan Cortés chegou a Tenochtitlan, o imperador Montezuma II, um sacerdote, tomou-o como a materialização do deus Quetzalcoatl que retornava para destruir os mexicas, conforme uma antiga profecia. Assim, acolheu-o em sua casa, tentou agradá-lo com presentes ornados a ouro e prata e, por último, submeteu-se à Coroa espanhola e passou a estudar o Catolicismo, num esforço desesperado para introduzir Cristo no panteão asteca. Mesmo assim, caiu e foi assassinado, ao rebelar-se contra os altos impostos fixados pelos invasores.
Nessa época, ciente da humanidade de Cortés, Montezuma teria se indignado com o rito da eucaristia, por não entender como os espanhóis comiam a carne de seu deus, enquanto os astecas ofereciam coração e sangue humanos às suas divindades. É uma afirmação emblemática até mesmo para os nossos dias de desconexão espiritual e mesquinho individualismo, nos quais Deus é consumido pelo shomens num balcão de trocas imediatistas.
Quando acordou,Tenochtitlán ainda tentou resistir, mas já era tarde. Astecas e, depois, os maias e incas andinos seriam pilhados e devastados, ao preço de muitos sacrifícios humanos aos deuses Cobiça e Preconceito.
Você se sente em casa no México. A simpatia mexicana pelos brasileiros não é de hoje. Quem esqueceu o caso de amor vivido por nossa selecão e a torcida mexicana na Copa de 1970? Isso foi muito importante para a conquista do Tri, algo que soubemos reconhecer e retribuir com um “jogo da gratidão” em Guadalajara. Nosso namoro agora é menos sentimental, apesar das nossas afinidades, digamos, passionais em experiências como a exclusão social, a violência urbana e o alto índice de tolerância à corrupcão.
O Brasil tornou-se uma forte referência para o México, o que explica a menção quase diária à cultura e, sobretudo, à economia brasileira na mídia mexicana. Embora não esteja, como nós, entre as seis maiores economias do planeta, o México segue na nossa cola, em seu posto de segunda economia latino-americana, e nos vê, ao mesmo tempo, como inspiracão e desafio.
Num debate no canal Foro TV, da Televisa, a que assisti antes que se iniciasse – imagine! – o programa “Superación”, da brasileiríssima Igreja Universal do Reino de Deus, o Brasil foi o argumento central de jornalistas e intelectuais assustados com o baixo índice de leitura dos mexicanos. Foram realçados a qualidade e o poder de fogo das editoras brasileiras, embora o México apresente níveis de escolaridade e um PIB per capita ligeiramente superiores aos nossos.
As nossas estatísticas econômicas são acompanhadas e comentadas por especialistas e até o recém-lancado Programa Nacional de Combate à Fome, do governo mexicano, tem cheiro do bem-sucedido Bolsa Família, do governo brasileiro.
Para um brasileiro em visita ao México, é confortante ouvir elogios ao seu o país e – detalhe impensável no passado – ser assediado por vendedores que se dispõem a receber pagamento em real. Mas sempre que me tenho defrontado com essas situações que massageiam o ego e turbinam o orgulho nacional, pergunto-me se saberemos ser potência sem cair na tentacão avassaladora da dominacão.
Foi assim que um dia os astecas, guerreiros que deram origem à Cidade do México e à nacão mexicana, perderam-se, abrindo caminho para que os povos indígenas oprimidos se aliassem aos conquistadores espanhóis na derrubada de Tenochitlan. E tem sido assim em nosso tempo, no qual potências econômico-militares, como os Estados Unidos, amargam o ódio de boa parte do mundo, mergulhadas na sombra da inquietude e do medo permanentes.