O jornal inglês The Independent publicou um relato emocionante da viúva de Marielle Franco, Mônica Benício. A reportagem “Noiva de Marielle Franco em luto por perda de ativista”, assinada por Maya Oppenheim, narra o primeiro estado, as primeiras reações de Mônica ao saber da tragédia e como ela vem lidando desde então com a perda da companheira, o que pensa do novo presidente eleito, abertamente homofóbico.
Mônica afirma ao jornal acreditar na hipótese de que políticos estejam envolvidos no crime.
“Enquanto os culpados não pagarem pelo que fizeram, outras pessoas estão em risco”, é a frase de Mônica que abre o texto, que narra o percurso e os pensamentos dela antes de saber o que havia acontecido.
“Mônica sentiu que algo ruim havia acontecido enquanto ela esperava por sua parceira Marielle Franco na noite de sua morte. Benicio ligou para Franco – a brasileira feminista LGBT+, defensora dos direitos humanos, com quem deveria se casar neste ano. Ficou cada vez mais ansiosa por seu paradeiro”, conta a publicação.
“Uma amiga veio à minha casa trazer a notícia”, lembra Mônica ao jornal. “Eu já sabia que algo não ia bem porque eu tinha falado com Marielle quando ela estava no carro vindo para casa. Eu tentei falar com ela, liguei muitas vezes, já muito preocupada pelo atraso dela. Minha primeira reação foi não acreditar. Eu não acreditava no que estava escutando”.
O jornal explica que as duas tinham um relacionamento de 13 anos e que, para Mônica, o assassinato foi político e expõe o Brasil a uma situação de constrangimento internacional: “O assassinato de Marielle foi bem executado e o envolvimento de milicianos e ou políticos colocam o Brasil sob o foco. O Brasil enfrenta um constrangimento internacional por ser incompetente e não apresentar nenhum resultado frente a um dos mais importantes crimes políticos da história. Não haverá democracia enquanto a execução de Marielle permanecer sem resposta”.
O The Independent aponta a recente revelação de que os suspeitos de matar Marielle têm ligações com a família do novo presidente, de extrema-direita, Jair Bolsonaro. “O país está arrasado por um escândalo envolvendo um dos filhos de Bolsonaro, o recém eleito Flávio Bolsonaro. A polícia e promotores apontam membros do Escritório do Crime como suspeitos de estar por trás do assassinato de Marielle”.
A eleição de Bolsonaro é, para Mônica, sinônimo de preocupação. “Não posso falar pela comunidade LGBTI inteira, especialmente porque somos diversos nas nossas ideias. Mas eu acredito que há um sentimento crescente de preocupação em torno de nossas vidas. Bolsonaro tem nos atacado diretamente por anos. Estou preocupada sobre os corpos sendo vitimizados, reveses nas leis e insegurança por não saber o rumo da política”, diz ela ao periódico.
A reportagem conta que, ao saber da morte de Marielle, o primeiro estado de Mônica foi descrença e negação. “Eu não conseguia acreditar. Eu disse que queria ir para o hospital onde ela estava porque ela ia ficar bem. E me falavam que ela não tinha chances de ir para o hospital”.
Ao The Independent, Mônica descreve a primeira reação. “Eu desmaiei no portão e, quando eu acordei, eu estava dentro de casa e alguns amigos estavam lá. Eu quebrei coisas em casa porque eu não conseguia entender toda aquela dor. Eu só queria acordar do que parecia ser o pior pesadelo da minha vida”. Depois, o decorrer dos dias. “Toda noite eu acordava sonhando com aquele momento; é difícil viver com o fato de que o pesadelo se tornou minha vida real”.
A relação, conta o The Independent, tinha 13 anos. Começara quando Mônica tinha 18 e Marielle 24. “A relação delas frequentemente foi interrompida por incapacidade da família e de amigos em aceitar”. A morte da vereadora significou para o corpo de Mônica a perda de 11 quilos em apenas um mês: “ela diz ter parado de comer e de fazer qualquer coisa que estivesse relacionada com prazer”.
“Não era fácil ver a vida como um lugar em que eu queria estar”, recorda-se. “Ainda não é. O passar dos meses muda coisas, mas a dor ainda machuca, e a cada manhã é difícil acordar. A imersão numa militância sem fim é o sentimento de que eu a ainda tenho dentro de mim”.
A publicação lembra que Mônica estava escrevendo uma dissertação de mestrado sobre a violência nos espaços públicos e os direitos na cidade sob a perspectiva de moradores de favela. Ela escrevia a tese até a trágica noite. O trabalho se transformaria em ativismo pelos direitos humanos e por justiça. “Ela diz ter parado a terapia mas ainda está tomando antidepressivos e tranquilizantes”.
Monica diz à reportagem acreditar que o assassinato foi planejado e envolveu políticos e forças de segurança. “Apenas alguém que pensa ser poderoso pode articular um ato tão bárbaro e ainda acreditar que permanecerá impune. Só uma pessoa política pode planejar algo tão odioso”.
A tradição, diz Mônica, é reduzir os assassinatos de negros, mulheres e LGBT+ à mera estatística. O jornal afirma que, além de ter uma das maiores taxas de homicídios do mundo, mais de mil mulheres foram mortas no Brasil, em crimes de ódio ligados ao gênero no ano de 2017, e que 445 brasileiros LGBT+s morreram vítimas de homofobia em 2017, segundo dados do grupo Gay da Bahia. O número, aponta o jornal, é um aumento de 30% em relação a 2016.
Ao The Independent, Mônica fala em ódio por parte do Estado. “Eu sempre digo que nem o titulo de parlamentar protejeu Marielle. Ela era a personificação de tudo que esse Estado racista, sexista e LGBTfobico rejeita”. Na reportagem, ela diz que as vidas representadas por Marielle são consideradas como descartáveis pelos que estão no poder.
A publicação inglesa lembra o tweet de Marielle no dia anterior à sua morte: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”
Observa que o maior país da América Latina é uma das nações mais desiguais do mundo, “um lugar onde seis pessoas possuem tanta riqueza quanto metade da população e onde 10% dos congressistas são negros, apesar do fato de que a maioria da população brasileira é negra ou parda”.
Fala de Bolsonaro como famoso por ofensas a mulheres, negros e minorias sexuais. E que Mônica acredita que, com o novo presidente, houve aumento na discriminação e na violência contra a comunidade LGBT+. “Pessoas tomaram as ruas e redes sociais com palavras e ações de ódio, sentindo-se legitimadas. A maioria vai ficar. O Brasil é a nossa terra e vamos continuar resistindo”.
The Independent cita a partida de Jean Wyllys, “primeiro congressista abertamente gay. Jean Wyllys disse que raramente sai de sua casa no Rio, que o clima de violência no Brasil piorou desde a eleição de Bolsonaro”.
Mônica concorda. “Não há propostas progressistas para direitos humanos, trabalho, meio ambiente, economia, saúde, educação, segurança, nenhuma proposta que não fira os direitos; é lamentável ver um governo ser fundado em uma agenda tão retrógrada e com um discurso fundado no ódio”.
E diz como acredita que Marielle responderia à eleição de Bolsonaro, “com indignação”: “Nenhuma de nós acreditava que a eleição dele seria possível. A candidatura dele só foi confirmada recentemente. Mas é sempre bom lembrar que mais de 80 milhões de pessoas votaram em branco, nulo ou em Haddad. Não foi uma vitória”.
O periódico diz que são pequenas as esperanças de Mônica em relação ao engajamento de Bolsonaro para priorizar a investigação da morte de Marielle”nada que ele, o vice ou seu partido tenha feito várias declarações violando a memória de Marielle e zombando de sua execução”.
“Dez meses depois de seu assassinato brutal, apesar de toda a atenção global sobre o caso, as autoridades brasileiras fracassaram e o caso permanece não resolvido”, diz Jurema Werneck, the executive director of Amnesty International Brazil, ouvida pelo The Independent. “Cada dia que passa sem resposta aumenta a dúvida sobre a efetividade da investigação”.
A reportagem do The Independent afirma ter procurado as autoridades brasileiras para que comentassem o caso, mas “elas não responderam”.