O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou, na semana passada, 53 policiais militares de um batalhão de São Paulo, o 22o., na Zona Sul da cidade. A acusação: eles faziam parte da organização criminosa PCC.
“O papel dos policiais militares dentro da organização criminosa também era claro, não reprimir a prática do delito de tráfico, bem como facilitá-lo, não passando de viatura policial próximo aos pontos de venda, informando acerca de alguma operação policial pelo local e até mesmo alterando a verdade em documentos públicos para que não ocorresse apreensão de droga ou a prisão dos traficantes”, diz o promotor Cláudio Henrique Bastos Giannini, que assina a denúncia.
A investigação que levou a essa denúncia revelou que a associação dos policiais com os traficantes é antiga — pelo menos cinco anos — e, além de proteger o tráfico de drogas, facilitou também a venda de armas e munição.
As escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostram que, na conversa entre os policiais e os traficantes, não é possível identificar quem é mais bandido.
Por exemplo, no dia 27 de junho do ano passado, o cabo da PM Heverton Nascimento Neves, vulgo Bomba, conversa com o traficante que atende pelo apelido de Branquinho.
Ele tinha acabado de apreender uma grande quantidade de drogas e queria receber 10 mil reais para não apresentá-la à delegacia de polícia.
O policial comenta:
“Quanto? Dois? Aí não dá, não. Se fosse uns dez, até dava, mas aí não dá não.”
Branquinho, o traficante, responde:
“BRANQUINHO: Oshi, dez conto não tem nem aí.”
O policial insiste:
“Tem, caraio, ó, eu vou pegar isso aqui, eu vou pegar isso aqui, vou vender para um cara ali, e vou te mostrar a mensagem ainda de quanto o cara pagou. Mas demorou, então, deixa quieto.”
A conversa prossegue até que acertam um valor. O policial e sua equipe apresentam à delegacia apenas a droga de baixa qualidade, que não interessava ao traficante.
Devolvem o restante.
A investigação mostrou que conversas semelhantes entre policiais e traficantes aconteciam rotineiramente, e não só apenas por parte equipe.
No dia 23 de junho, usando o celular de um gerente de boca, a policial Graciele da Silva Santos conversa com um dos chefes do PCC na região, apelido Revolta.
Ela está cobrando a propina para deixar correr solto o comércio na região. “Quero o meu e o do Paraná (outro policial). Só foi pego o do Paraná”, diz.
Quando o traficante diz que já entregou a parte dela para o Paraná, Graciele fica brava:
“O seu Revolta, o caralho, tá tirando, caralho”.
Depois de muita conversa, ela acerta como e quando receberá a sua parte.
A investigação revelou que os subornos no período investigado — cerca de um mês — ficavam entre 300 reais a 50 mil reais, valor cobrado para não prender um traficante de armas.
Chama a atenção na denúncia a ausência de policiais de alta patente — o mais graduado é um subtenente.
Como os casos de associação com o tráfico eram antigos, pode haver duas explicações para essa ausência: os comandantes do batalhão eram absolutamente incompetentes no controle de seus subordinados. Ou eles sabiam dos crimes, mas não tomavam providências.
E se não tomavam providências, é porque eram covardes ou se beneficiavam — esta última hipótese é mais comum.
Seja qual for a explicação, o fato é que essa denúncia do Ministério Público mostra a falência da polícia no combate às drogas a partir da guerra ao tráfico.
Os diálogos interceptados com ordem judicial remetem à conversa entre policiais corruptos e à mafia, no tempo da lei seca nos Estados Unidos.
A proibição da venda de bebida alcoólica no território americano não conseguiu nada além de produzir uma organização policial corrupta e enriquecer os traficantes de bebidas.
No Brasil, o pacote anticrime de Sergio Moro seria uma boa oportunidade para tocar o dedo na ferida que une, de um ladro, o crime organizado e, de outro, policiais corruptos.
Poderia, por exemplo, criar mecanismos para permitir o afastamento mais rápido de policiais envolvidos em casos de corrupção.
Mas não é isso que está escrito no projeto. Basicamente, o pacote trata do endurecimento de penas e na dificuldade de progressão de regime, para retardar o retorno do preso à sociedade.
Vista por outro angulo, é uma proposta que deixará os presídios ainda mais lotados, o que é uma contradição no combate ao crime.
Presídios lotados não significam mais segurança à população.
Se fosse assim, o Brasil teria a paz social da Noruega, já que a população carcerária aumentou nove vezes nos últimos trinta anos — eram 90 mil pesos, hoje são 800 mil, um quarto destes pela acusação de tráfico.
À sombra do comércio clandestino de drogas, se abrigam outros crimes, como homicídios, tráfico de armas, furtos e roubos, além da corrupção policial.
Se o Estado continuar utilizando a mesma estratégia no combate ao tráfico, não produzirá resultados muito diferentes.
E toda vez que aparecer no noticiário uma pilha de drogas apreendidas, saberá que muitas outras entraram no mercado e, por trás delas, havia um homem de farda.