POR MIGUEL ENRIQUEZ
Para quem se escandalizou com o pagamento do chamado auxílio moradia a juízes e membros do Ministério Público, penduricalho que custou ao erário nada menos de R$ 5 bilhões, entre setembro de 2014 e dezembro de 2018, a leitura da pesquisa “Quem Somos- A Magistratura que Queremos”, patrocinada pela Associação de Magistrados Brasileiros, fornece mais bons motivos para indignação.
O extenso trabalho, com 394 páginas. executado pelos professores Luiz Werneck Vianna, Maria Alice de Carvalho e Marcelo Burgos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que aborda, entre outros, assuntos, que vão da valorização profissional, papel das corregedorias, família e religião, incluiu uma questão sobre a situação de moradia da turma da toga.
Nesse item, com base em 4 000 respostas, fica comprovada a imoralidade e a desnecessidade da extensão do auxílio moradia a 18 mil privilegiados do Judiciário e 13 mil do Ministério Público, federais e estaduais, concedida por obra e graça do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão solitária, há quatro anos.
Pelo relatório do estudo, ficamos sabendo que nada menos de 70% dos juízes de primeira instância da Justiça Estadual, Federal, Trabalhista e Militar vivem em casa própria e 24,9% pagam aluguel.
No segundo grau, a propriedade de imóveis é ainda maior, chegando a 93,2% dos participantes da pesquisa, enquanto apenas 4% declararam residir em casas ou apartamentos alugados.
Espera-se que esses números, principalmente por serem resultados de uma pesquisa chancelada pela própria AMB, tenham um papel inibidor das tentativas de restauração do penduricalho que continuam latentes entre os antigos beneficiários do mimo de Fux.
Como se sabe, a suspensão da mamata só ocorreu em novembro do ano passado, em troca do aumento salarial de 16,38% concedido pelo governo Temer aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), percentual que será repassado a todos os integrantes das demais instâncias do Judiciário e do Ministério Público, em nível nacional.
Provisoriamente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabeleceram uma nova regulamentação para a concessão do auxílio moradia, que só poderá ser pago para o pagamento do aluguel de juízes que atuam fora de suas comarcas originais, caso não haja imóveis funcionais à disposição.
Com isso, estima-se que só terão direito ao subsídio 180 juízes, ou seja, menos de 1% do universo de magistrados em atividade.
Mesmo assim, o penduricalho, que era justificado como compensação marota para uma suposta defasagem na remuneração de juízes, procuradores e promotores, nos últimos anos, continua nas pautas de reivindicações dessas categorias, especialmente entre o pessoal do Ministério Público.
Prova disso é que uma brecha para a restauração da bandalheira foi obtida pela Procuradora Geral da República (PGR), Raquel Dodge.
Na reunião que disciplinou o auxílio moradia, ela conseguiu do ministro do STF Dias Toffoli, que também preside o CNJ, a inserção de um artigo estabelecendo que as novas regras terão validade até que sejam aprovados novos critérios para o pagamento do benefício, o que pode ampliar o número de contemplados.
Seria interessante, a propósito, que Dodge, essa campeã da ética, ou algumas das combativas entidades dos procuradores da República, promovessem uma pesquisa semelhante à da AMB.
É possível que encontrem em suas fileiras uma realidade semelhante à do Judiciário, a julgar pelo exemplo de uma das estrelas da PGR, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Operação Lava Jato no Paraná.
Proprietário de um imóvel em Curitiba, onde trabalha, Dallagnol é também dono de dois imóveis do Minha Casa Minha Vida, em Ponta Grossa, no interior do Estado. Até o fim do ano passado, recebeu religiosamente os R$ 4.337 mensais do auxílio moradia.
Seguramente, o cruzado da luta contra a corrupção não deve ser um caso isolado.