Há dez anos, o mercado financeiro mundial parou para ver um momento histórico, na Bovespa: o lançamento de ações da Petrobras, que teve emissão recorde.
Num único dia, foram vendidas ações no valor de 66,9 bilhões de dólares.
Vestido com colete laranja de funcionários da empresa, Lula declarou, sem esconder a enforia:
“Não foi em Frankfurt, nem em Londres, nem em Nova York. Foi em São Paulo, aqui na Bovespa, que consagramos o maior processo de capitalização da história do capitalismo mundial.”
Ontem à noite, o presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, gravava um vídeo em que apresentava a empresa como se fosse uma companhia em situação pré-falimentar.
Com expressão cansada, tropeçando nas palavras, Castelo Branco admitia a adoção de medidas para reduzir custos, como o fechamento da sede em São Paulo e o estudo de um programa para incentivar demissões voluntárias.
Entre outras medidas, anunciou que funcionários trabalharão em escritórios de coworking, outros serão transferidos de cidade.
Para passar a mensagem de que está cortando na própria carne, Castelo Branco disse que a diretoria também ficará sem lugar para se reunir em São Paulo.
“A diretoria e o conselho de administração vão utilizar qualquer coisa, qualquer área em São Paulo”, afirmou.
Além disso, vai desmobilizar carros utilizados pelos diretores — três.
O vídeo gravado por Roberto Castelo Branco foi dirigido aos funcionários da empresa, assustados com as declarações de um gerente de recursos humanos que, na véspera, havia anunciado o apocalipse: o fechamento da sede e demissões.
A empresa que Lula apresentou aos investidores internacionais em 2010 parece outra, que não tem nada a ver com a que é retratada pelos gestores nomeados pelo governo Bolsonaro.
Como pode uma empresa decair tanto em tão pouco tempo?
Os críticos, com base no noticiário da velha imprensa e nas sentenças da Lava Jato, dirão que foi por culpa do PT, que transformou a Petrobras num “antro de corrupção”.
Mas os fatos não dão razão a esses críticos.
Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, o valor de mercado da Petrobras era de 15,4 bilhões de dólares.
Em 2009, no governo de Lula, foi a 207,9 bilhões de dólares, segundo levantamento da Economática, um espantoso crescimento de 1.250% em sete anos.
O preço do petróleo estava alto, é fato, mas a Petrobras tinha feitos próprios a apresentar: havia descoberto a maior reserva de petróleo do século XXI, a do pré-sal.
Também tinha passado pela análise de algumas das maiores instituições bancárias do mundo, que atestaram a excelência de sua governança.
Não fosse assim, a Petrobras não teria tido, um ano depois, sucesso no lançamento de ações no mercado.
O crescimento da Petrobras foi o motivo que levou a NSA, agência de espionagem americana, a fazer do Brasil o país mais monitorado do mundo entre 2010 e 2013, conforme revelou o analista Edward Snoden.
Até a presidente da época, Dilma Rousseff, foi alvo de espionagem.
E por quê?
A Petrobras mostrou que era uma competidora de peso e poderia ajudar o Brasil a alcançar um patamar superior na relação com outras nações.
Para quem duvida, basta prestar a atenção num fato:
a empresa brasileira levou apenas nove anos para atingir a marca de extração de 1,5 milhão de barris de petróleo por dia, em águas ultraprofundas, como é o caso do pré-sal hoje, enquanto que, no Mar do Norte, a mesma marca só foi atingida depois de 30 anos de operação.
Com uma diferença: lá, a profundidade é menor.
A Nigéria, na costa da África, também tem óleo em águas ultraprofundas, mas não tem a mesma produção do Brasil.
E por quê?
Porque não existe lá uma empresa nacional como a Petrobras, com um corpo técnico capaz de desenvolver tecnologia adequada para esse tipo de extração de petróleo.
As mesmas empresas estrangeiras que operam hoje no pré-sal brasileiro poderiam estar operando no pré-sal da Nigéria, mas então por que não vão para lá?
Porque lá não tem Petrobras.
Não é por acaso que a maioria das petroleiras de fora que assumem campos de produção brasileiro fazem questão de estar associados à Petrobras ou de trabalhar muito próximo e de olho no método de produção da empresa brasileira.
Na avaliação de engenheiros da empresa, com quem conversei, esta é a razão pela qual a Petrobras não será privatizada.
Nem no governo de Bolsonaro, nem em nenhum outro.
Ela ficará menor, mas não deixará de ser estatal. Se mantido o plano dos atuais gestores, vai se desfazer de refinarias e sair da distribuição de gás, mas continuará explorando petróleo.
A Petrobras como estatal é perfeita para atender ao interesse privado de quem quer o petróleo brasileiro.
A estatal entra com os riscos no desenvolvimento da tecnologia, a petroleira estrangeira fica com o lucro.
O que a Petrobras não pode é ser grande o suficiente para induzir o crescimento brasileiro.
O que querem é uma Petrobras estatal trabalhando prioritariamente para eles em vez de servir ao Brasil, seu principal acionista e responsável por fazer dela uma empresa de excelência.