Haddad não foi o primeiro nem será o último alvo da aliança entre jornalistas e promotores inescrupulosos. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 27 de fevereiro de 2019 às 22:09
Haddad na Globonews

Em sua Oração aos Moços, há 100 anos, Rui Barbosa afirmou: “Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.”

Fernando Haddad não foi propriamente vítima da lentidão da Justiça, mas de uma situação jurídica que tem resultado equivalente:

As denúncias do Ministério Público apresentadas pela imprensa como se fossem condenações definitivas.

Em setembro, Haddad foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, duas semanas depois de ter sido registrado como candidato na chapa de Lula.

Ele ocupava o lugar de vice, mas já se sabia que, caso a justiça eleitoral rejeitasse o registro da candidatura de Lula, Haddad seria o candidato a presidente.

A denúncia provocou um desgaste grande na campanha do PT.

O Jornal Nacional, da Globo, deu destaque à notícia, com sua inclusão entre as manchetes.

A Folha de S. Paulo, O Globo e o Estadão noticiaram na primeira página, e as rádios divulgaram a denúncia com estardalhaço.

Três dias depois, Haddad estava sentado na poltrona da Globonews, e Merval Pereira, o jornalista de confiança da família Marinho, usou a denúncia para atacar Haddad.

“O senhor também responde a casos de corrupção. Eu vou ler aqui porque a relação é grande. O Ministério Público de São Paulo acusa o senhor de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, associação criminosa, caixa 2, improbidade administrativa. A construtora UTC teria pago uma dívida de dois milhões e seiscentos mil reais da sua campanha à prefeitura de São Paulo, em 2012″, disse.

Em seguida, perguntou: “O senhor tem uma explicação para esses processos todos ou vai dizer que é uma perseguição política?”

Haddad retrucou:

“Você está falando da minha honra, e é muito pior”.

Merval se escorou na desculpa clássica do jornalista:

“Não sou eu, é o Ministério Público”.

E o Ministério Público não erra?

Erra, e erra muito, mas hoje os promotores, na prática, são muito pouco cobrados, e muito em função de uma aliança tácita com a imprensa.

Os promotores vazam as informações, e os repórteres batem. Todos se protegem.

“Nunca me senti à vontade para fazer matérias com base no que dizem os promotores. Não gosto de fazer o papel de porrete do Ministério Público”, disse-me um jornalista incomodado com as pautas que lhe eram entregues.

Hoje, ele já não trabalha mais nas redações. Cansou.

Procuradores e promotores, sob holofote de jornalistas amigos (ou cúmplices), concentram poder decisivo e impróprio em uma democracia.

O caso Haddad é um bom exemplo.

Ele foi denunciado ao mesmo tempo em que, no Rio de Janeiro, o Ministério Público sonegava informações negativas sobre Fabrício Queiroz e também Flávio Bolsonaro.

Em outubro, se realizou uma operação que levou à prisão deputados estaduais acusados de receberem propina para votar ou deixar de votar projetos.

Deputados que não foram presos acabaram citados como suspeitos de operações financeiras atípicas.

Flávio Bolsonaro, estranhamente, não.

Dois dias antes da operação, o senador demitiu Fabrício Queiroz, um indício de que havia sido avisado da operação.

Com campanha baseada na farsa de que combatia a corrupção, os Bolsonaros foram beneficiados.

Flávio Queiroz só apareceria no noticiário em novembro, depois da eleição deles.

Já Haddad teve que se explicar mais de uma vez, em plena campanha eleitoral. 

Só agora é que o Tribunal de Justiça de São Paulo diz que a denúncia contra ele não descreve a vantagem que um empreiteiro corrupto teria tido com o pagamento da suposta propina.

Foi, portanto, denúncia inepta.

Os jornalistas poderiam ter atentado para falhas como essa ou, pelo menos, advertido para a impropriedade de uma denúncia na boca da urna.

Mas preferiram atacar o alvo comum e agora, como fez Merval, se escudar no Ministério Público.

“Não sou eu, é o Ministério Público”.

Foi ele, sim, que jogou lama, mas o Ministério Público tem costa bem larga, e jornalistas e promotores se entendem.

Uns lavam as mãos dos outros, enquanto suas vítimas tentam se livrar das pedradas.