O site Terça Livre nasceu, adivinhe, em 2014.
Na aba ‘quem somos’, o site apresenta-se como um veículo que “trabalha incessantemente para levar ao nosso público informações, análises e conhecimento”.
Afirma ainda ser composto por admiradores da “relevância intelectual do professor Olavo de Carvalho”.
Curiosamente, na mesma aba, está uma apresentação do Foro de São Paulo, que eles classificam como “maior inimigo do Brasil”.
Quem se apresenta assim, colocando no cartão de visitas sua definição e, ao mesmo tempo, sua nêmesis?
Alimentado – e financiado, segundo ele próprio – pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, é mais um da rede de sites que disseminam inverdades nas redes sociais.
Ironicamente, a vítima da vez foi o próprio capitão.
Para difamar a jornalista Constança Rezende, do Estadão, Terça Livre publicou uma entrevista dela a um site francês, o Mediapart.
Ali estaria uma inequívoca prova de que Constança seria uma conspiradora com propósitos de derrubar o governo, uma vez que foi para ela que os documentos do COAF (que descortinaram todo o caso Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro) foram vazados.
Ocorre que no tal site francês, qualquer assinante pode ter um blog hospedado.
E foi um certo Jawad Rhalib, supostamente blogueiro, quem publicou uma declaração de Constança Rezende sobre a intenção de publicar o caso COAF, estrategicamente, apenas em dezembro de 2018.
O blog de Jawad Rhalib tem apenas cinco inscritos. Que credibilidade, não?
Foi com essa ‘denúncia’, no entanto, que Jair Bolsonaro (ou o zero dois) fez a postagem: “Constança Rezende, do O Estado de SP diz querer arruinar a vida de Flavio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otávio, profissional do O Globo. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos”.
A outra ‘mídia internacional’ citada pelo Terça Livre como fonte replicadora da notícia do Mediapart foi o jornal The Washington Times, fundado pelo reverendo Moon, que alega ter sido a ‘elite esquerdista’ quem mandou dar a facada em Bolsonaro.
Morto em 2012, esse picareta foi proibido de entrar na Grã Bretanha. Chegou a ser preso nos EUA acusado de especulação ilegal no mercado de ações, suborno de parlamentares e sonegação fiscal.
O Estadão desmentiu que tenha sido a referida jornalista a responsável pela publicação da reportagem sobre as investigações do COAF e afirma também que o diálogo, em inglês, é de janeiro deste ano e refere-se a uma conversa de Constança com um estudante americano que se dedicava a fazer um comparativo entre Trump e Bolsonaro.
Os áudios publicados por Bolsonaro em sua conta no Twitter (bem precários e editados) em nada confirmam a acusação de que Constança assuma o papel de terrorista.
Nos trechos minimamente audíveis, ela avalia que o caso poderia comprometer e até mesmo arruinar o governo. O caso Queiroz, e não ela, por obvio.
Como lida mal até com o idioma de Camões, em inglês é que Bolsonaro não teria entendido nada mesmo.
Na postagem ele ainda publicou, além do áudio e do nome, a foto da jornalista, incitando seus abestalhados e agressivos seguidores ao linchamento de que outros já foram vítimas.
O presidente não é simplesmente um mero “perdido na tradução”, até porque não é ele quem cuida desse departamento.
A desinformação destinada a seu público evidentemente é proposital.
E o Terça Livre é uma das engrenagens à disposição.
A jornalista Fernanda de Salles Andrade, que assina o texto, trabalha na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em cargo relacionado ao PSL, partido de Bolsonaro.
Ela é assessora lotada no gabinete do deputado estadual Bruno Engler, trabalha seis horas por dia e recebe R$ 6.543,79 por mês.
Em dinheiro público.